O futuro da IA pode estar em cada célula do nosso corpo

O futuro da IA pode estar em cada célula do nosso corpo

Quando falamos de inteligência artificial aqui no Innovation Hub nós tentamos não ser pessimistas, mas também evitamos entrar naquele otimismo exacerbado que acaba soando como propaganda. E uma coisa que sempre lembramos por aqui é que, mesmo com todos os avanços da IA, elas dificilmente substituirão a gente completamente porque existem conceitos humanos importantes que talvez nunca consigamos replicar nessas máquinas. Mas existe uma outra questão que também está sendo ignorada: será que o modelo que nós usamos para explicar essa questão da IA também já não está um pouco errado?

“Uma coisa que a gente tem falado muito em tecnologia é a Inteligência Artificial. E aí a gente fica muito em cima da referência que a IA tem, que é o cérebro humano. E eu acho isso um pouco arrogante, um pouco prepotente demais,” afirmou Rita Wu, analista de tecnologia da CNN, durante o episódio 15 do Innovation Hub Show. “A gente esquece de olhar pra vida e pra todo o desenvolvimento evolutivo que a vida tem até chegar no cérebro humano, e que, na verdade, a natureza tem muita inteligência. E eu acho interessante a gente conseguir olhar pros sistemas vivos e ver que tem uma inteligência ali que a gente pode aproveitar.”

E é justamente nessas relações entre avanços tecnológicos e a evolução da vida biológica que entramos em um tópico que promete causar uma mudança nas nossas vidas maior do que as IA: a biotecnologia.

Do silício para a célula

No podcast, Rita tentou resumir o que é biotecnologia em uma única frase: “Ao invés de você usar máquinas para fazer processos, você utiliza a célula.” Parece muito doido, né? Mas já existem diversas iniciativas que estão se aproveitando das capacidades orgânicas de uma célula para fazer coisas que até então só conseguíamos fazer em ambientes digitais  – como armazenar dados, por exemplo.

Isto é possível porque, se formos ver de forma conceitual, o funcionamento de uma célula não é tão diferente de um computador: “Assim como a gente tem informação no digital que, no fundo, são compostas apenas de bits 0 e 1, e a gente tem todo o processo pra fazer a transcrição desses bits e transformar esses dados para um formato que conseguimos entender,” explica Rita Wu, “da mesma forma a gente consegue criar um código usando as bases do DNA e fazer essa transcrição.  Então qualquer coisa que a gente fala hoje que é publicado dentro de uma célula é basicamente um código, como se fosse um software externo que você adiciona ali.  E se você consegue fazer uma edição no DNA assim como você faz uma edição num software, você consegue mudar ali as regras de como aquele código vai se manifestar em ações, seja num computador ou seja na proteína.”

Outro conceito orgânico que pode ajudar na evolução das IA é na forma como diferentes organismos se juntam em relações simbióticas: “Eu sempre gosto de trazer o exemplo da mixotricha paradoxa,” explica Rita Wu, “um protozoário que vive no intestino dos cupins. Eles possibilitam toda a ingestão da celulose, e sem isso os cupins não poderiam sobreviver.” Este tipo de comportamento, que a biologia chama de simbiose, é visto sob o olhar tecnológico como uma espécie de “hackeamento”, onde uma espécie que se alimenta de madeira – mas não possui as enzimas para transformar a celulose dessa madeira em energia – se junta a uma outra criatura que consegue fazer essa transformação da celulose. E esse “hackeamento” acontece de ambos os lados, já que a mixotricha paradoxa consegue fazer essa conversão da celulose, mas não possui formas de “atacar” a madeira para conseguir essa celulose – e, por isso, “hackeou” o estômago de uma criatura que se alimenta dessa madeira.

Então, quando levamos esse conceito de simbiose para algo entre organismos e máquina, chegamos na ideia do transhumanismo e do biohacking – e nos aproximamos de conceitos que até então eram exclusivos da ficção científica, como a implantação de chips que melhoram nossas capacidades físicas ou editar células para nos curar de doenças ou ampliar nossa expectativa de vida.

A melhor fábrica é uma célula

Mas existe um outro ponto fundamental para darmos uma maior atenção aos processos biológicos e tentar replicá-los nas máquinas: a questão energética. “A biologia é a melhor forma de manufatura que a gente tem, e se a transformarmos numa ferramenta da engenharia a gente conseguirá fazer coisas que antes demandariam muitos recursos naturais e energia com uma fração disso,” afirma a analista Rita Wu.

Ela aponta que uma das aplicações disso seria no próprio treinamento das inteligências artificiais, que poderiam se tornar muito mais eficientes: “ Pra uma inteligência artificial sacar que um gato é um gato, exige um treinamento com uma quantidade de dados absurda. Para aquela rede neural detectar que uma imagem representa um gato, ela vai ter que analisar pixel a pixel, e isso demanda um gasto energético gigantesco. A gente usa quantas calorias pra isso [detectar que algo que enxergamos é um gato]? Quase nada.” Um dos grandes problemas da evolução atual das IAs é a questão de se nossa infraestrutura energética está pronta para suprir a quantidade de energia que ela irá exigir, e esta preocupação seria inexistente se conseguíssemos tornar essas máquinas tão eficientes na equação “consumo de energia x ação realizada” quanto é uma célula humana.

Um exemplo de como as IA podem se desenvolver com conceitos orgânicos estão nos experimentos desenvolvidos pela Universidade John Hopkins, uma das instituições de ensino superior e pesquisa mais tradicionais dos EUA. Eles têm trabalhado muito o conceito de “organoides inteligentes”, que utilizam células cerebrais – os neurônios – ao invés de chips de silício para rodar redes neurais. Os resultados tem se mostrado muito promissores, e os pesquisadores acreditam que este poderá ser o futuro: criar computadores a partir de células biológicas que são mais rápidos e eficientes do que qualquer máquina feita com chips a base de silício.

Bioinovação nacional

Se engana quem acha que o Brasil não faz parte do desenvolvimento de soluções em biotecnologia. “Um dos projetos mais interessantes que eu participei foi uma modificação numa bactéria E coli, que a gente modificou para torná-la capaz de digerir borracha.” explica Rita Wu. A E coli (ou Escherichia coli) é uma bactéria comum que existe no trato intestinal de animais de sangue quente, e normalmente é a presença dessa bactéria que é constatada quando falamos que foram encontrados “coliformes fecais” em um alimento ou ambiente. 

Este experimento chegou a conquistar medalha de ouro iGEM 2015 (International Genetically Engineered Machine), uma competição internacional criada pelo MIT e que reúne alguns dos principais projetos em biologia sintética do mundo. Rita conta no podcast que, inicialmente, o projeto foi desenvolvido como uma forma de acelerar a degradação de pneus de carros – um componente que, assim como o plástico, também demora séculos para se decompor naturalmente – mas que logo a Havaianas mostrou interesse em adquirir a patente desse processo de modificação da E coli.

No caso das Havaianas, a compra não foi efetuada devido em parte à burocracia necessária para realizar a operação (já que, por ter sido desenvolvida dentro da universidade e com o auxílio de diversos laboratórios, essa patente estava toda fragmentada e seria necessário que todos os envolvidos aceitassem efetuar a venda), mas Rita Wu aponta que este não foi o único sucesso brasileiro no mundo da moda, e o país é um expoente mundial quando falamos de “moda verde” e fios biodegradáveis.

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