Justiça pelo DNA: 3 mistérios que foram resolvidos por genes

Justiça pelo DNA: 3 mistérios que foram resolvidos por genes

Eu não sei vocês, mas sempre que eu ouço falar em “sequenciamento de DNA” a primeira coisa que me vem à cabeça é aquela cena do filme Jurassic Park em que eles explicam como recriaram os dinossauros a partir de sequências de DNA retiradas de mosquitos fossilizados em âmbar. Como bem sabemos, essa ideia não passa de um mito. Mas, mesmo que o DNA não possa ser usado para trazer animais extintos há centenas de milhões de anos à vida com o único objetivo de serem atrações de um parque temático, os estudos sobre sequenciamento de genes tem ajudado a resolver mistérios e mudar as vidas de diversas pessoas em todo o mundo.

O encontro impossível

Uma das histórias que o estudo do DNA mudou foi a da escritora, palestrante e jornalista Élide Soul, que após 59 anos encontrou a mãe biológica que ela nunca havia conhecido. Élide contou sua história no episódio 18 do Innovation Hub Show, e ela é um exemplo vivo de como as inovações nos estudos dos genes humanos podem ajudar a colocar pontos finais em histórias que, até bem pouco tempo atrás, talvez nunca tivessem uma conclusão.

Ela conta que, no fundo, sempre soube que tinha sido adotada, mas os pais nunca quiseram contar a verdade para ela. “E eu cresci naquilo: porque minha prima é tão clara, cabelo tão liso, e o meu é tão crespo? Porque a tonalidade de pele é diferente?” ela conta no podcast. “Então desde que eu tinha meus 8, 10 anos eu já sabia que eu era diferente, mas minha mãe mostrava foto dela grávida e dizia que era de mim.”

Ela acabou descobrindo a verdade aos 15 anos de idade, quando uma parente acabou revelando que ela era adotada durante o enterro de uma tia, após Élide ter visto a mãe dela saindo no tapa com outra pessoa no cemitério, e o motivo da briga tinha sido uma pergunta: era esta a menina – enquanto apontava para Élide – que você pegou pra criar? Mas, mesmo após confrontar a mãe com a verdade, ela nunca conseguiu uma confissão de que ela realmente não era a mãe biológica – uma confissão que ela se recusou a fazer até mesmo no leito de morte, aos 90 anos de idade. 

Esta recusa em assumir a verdade para a filha acabou afastando as duas. Mas, mesmo Élide agora sabendo que era adotada, não havia muito o que ela podia fazer: afinal, a adoção não tinha sido “oficial”, com todos os trâmites legais, mas em um esquema de roubo de crianças de hospitais. Então, mesmo a documentação que ela tinha para seguir não deu em nada, pois era muito provável que ela não havia sido registrada no hospital que os documentos diziam que ela nasceu. Assim, Élide continuou seguindo sua vida com uma certeza de que nunca descobriria a verdade sobre a sua própria história.

Tudo isso mudou em dezembro de 2022, quando ela resolveu fazer um teste da Genera mais por curiosidade do que com a esperança de conseguir qualquer informação sobre sua família de sangue: “Aí quando eu recebi o resultado do teste eu vi lá a opção “buscar parentes” e cliquei. Quando eu cliquei apareceu um sobrinho que era a cara do meu filho do meio. E aí com a experiência como jornalista e os dados que a Genera disponibiliza, eu consegui achar os meus pais biológicos.”

“Eu pensei dos 15 aos 59 anos de idade que a minha mãe não prestava, que ela era uma usuária de drogas, uma mulher vadia. E eu descobri justamente o contrário.” Ao encontrar sua mãe biológica que Élide descobriu toda a história do porquê foi adotada: a mãe dela havia sido vendida pelo pai (o avô biológico da Élide) para um homem rico em troca de terras. Este homem abusava dela sexualmente e fisicamente, e ela sofreu durante anos na mão dele. Mas, quando estava grávida de Élide, ela conseguiu uma chance de fugir. Não podendo voltar para a casa dos pais, ela então tentou ir morar com a irmã em Santo André. Mas esta irmã, que não podia ter filhos, não aceitou a gravidez e teria conversado com a assistente social do hospital da cidade para que, quando Élide nascesse, nem levasse ela para o quarto da mãe, e já colocasse a menina direto para adoção. E era por isso que, antes de fazer o teste da Genera, Élide nunca havia encontrado qualquer pista sobre a sua mãe biológica: porque logo depois do parto ela foi levada para outro hospital, que foi onde todo o processo de nascimento de registro foi feito para não criar nenhum pista que pudesse ligar aquele bebê à mulher que a pariu.

A história da Élide termina com um final feliz, mas resolver questões de paternidade e permitir o reencontro de famílias não são os únicos mistérios que o DNA está ajudando a solucionar.

O fim de mais de 70 anos de mistério

Se você é que nem eu que está sempre navegando por canais de YouTube ou podcast sobre “mistérios sem resposta”, provavelmente já se deparou com a história do “Sommerton Man”, também conhecido como Caso Taman Shud. Este é conhecido como uma dos maiores mistérios da Austrália, sobre um homem morto e sem qualquer identificação que foi encontrado, em 1948, na praia de Somerton Park – um bairro que fica na zona sul de Adelaide.

Após investigações, as únicas pistas encontradas pela política foram de que a causa da morte provavelmente havia sido envenenamento, e um pedaço de papel dentro do bolso da calça que o morto usava, com as palavras Tamám Shud,que podem ser traduzidas do persa como “acabou”. Os investigadores do caso descobriram que aquele pedaço de papel havia sido cortado do Rubaiyat, um livro de poemas sobre a morte publicado no século XII e escrito pelo poeta, matemático e astrônomo persa Omar Khayyám. Posteriormente, a polícia encontrou o livro de onde aquele pedaço de página foi arrancado, onde descobriu algumas anotações à mão, incluindo um número de telefone e uma sequência de mensagem criptografada que até hoje não se descobriu o que dizia.

Junte a mensagem criptografada, o número misterioso e um corpo que ninguém conseguiu identificar, como todo o clima de paranóia e desconfiança do pós-Segunda Guerra e início da Guerra Fria, e você tem um mistério que parece saído de um dos livros de Le Carré: seria o homem encontrado na praia um espião comunista que foi morto após uma missão fracassada? Durante 74 anos este foi um mistério de muitas perguntas e praticamente nenhuma resposta, mas um teste de DNA pode ter nos dado a primeira pista real que essa mistério teve em quase um século.

A resposta veio de uma investigação conduzida por Derek Abbot, professor de engenharia elétrica da Universidade de Adelaide, em parceria com Colleen Fitzpatrick, uma cientista forense e genealogista que foi uma das pioneiras no uso de bases de dados de testes genéticos para a solução de casos não solucionados. Para o teste, eles utilizaram um fio de cabelo encontrado numa máscara mortuária que havia sido feita para o misterioso corpo encontrado em Sommerton há 73 anos atrás, quando o corpo finalmente foi enterrado após inúmeras tentativas frustradas de identificação. A análise do DNA deste fio de cabelo – junto com a comparação à base de DNA de pessoas que fizeram testes genéticos – finalmente ajudou a revelar a identidade do famoso desconhecido: Charles Webb, um engenheiro elétrico de Melbourne que ninguém da família tinha notícias desde 1947. De acordo com relatos dos familiares vivos, Charles era o mais novo de seis irmãos e provavelmente sofria de depressão, pois tinha um certo fascínio com o tema da morte e já havia tentado suicídio em 1946. Ele também era uma pessoa que sofria com o alcoolismo e era violento com a esposa, e por isso ninguém havia dado queixa com a polícia quando ele sumiu em 1947, ficando conhecido apenas como “aquele familiar que sumiu” nas histórias da família. E, em nenhum momento, ninguém suspeitou que o corpo encontrado em Adelaide – que fica há mais de 700 km de distância de Melbourne – era o de Charles.

Claro, ainda há muitos mistérios em torno do caso – a mensagem criptografada encontrada no livro, por exemplo – mas o estudo dos genes pode ter gerado a maior pista em quase 75 anos para que esse famoso mistério seja finalmente solucionado por completo. E, quando falamos em solucionar mistérios, o estudo do DNA também já ajudou a encontrar um dos mais famosos serial killers dos EUA.

Justiça, ainda que tardia

Durante as décadas de 1970 e 1980, as comunidades de Sacramento e de Orange County foram feitas reféns por um criminoso que invadia casas durante a madrugada para roubar, estuprar e matar mulheres que dormiam indefesas. Apesar da enorme comoção, este criminoso nunca havia sido identificado, e era conhecido apenas pelos muitos apelidos dado a ele pela imprensa e pela comunidade que ele aterrorizava – e o mais famoso destes apelidados foi o Golden State Killer, nome criada pela jornalista Michelle McNamara, que foi a grande responsável por manter os crimes em evidência mesmo quase 50 anos após os ataques, e evitar que o caso fosse completamente arquivado.

Em 2018, a polícia da Califórnia resolveu comparar o material genético que possuíam do assassino com a base de genomas da GEDmatch, que permite a comparação genômica com as bases de diversas empresas que oferecem serviços de teste de DNA. Ao jogar o material no banco de dados foram encontrados cerca de 20 pessoas com um perfil genético parecido e, usando essa informação para refinar as buscas, a polícia finalmente conseguiu encontrar a real identidade do assassino: Joseph James DeAngelo Jr. Ironicamente, durante alguns dos anos que aterrorizou a cidade de Sacramento, James trabalhou como policial da divisão de invasões domésticas – ou seja, ele possivelmente participou (ao menos em parte) das primeiras investigações sobre os crimes que praticava.

Em 2020, James finalmente foi condenado por 13 homicídios e 13 raptos para cometer roubos – e esse número poderia ser bem maior, mas 62 dos crimes de violação e sequestro ligados a ele já haviam prescrito. Com 78 anos de idade, James vai passar o resto da vida na cadeia, e dezenas de vítimas que ele fez ao longo dos anos só encontraram justiça graças ao avanço dos estudos de DNA.

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