A salvação está lá fora: porque nossa sobrevivência depende da exploração espacial

A salvação está lá fora: porque nossa sobrevivência depende da exploração espacial

Ir aonde nenhum homem jamais esteve tem sido o objetivo de cientistas há décadas quando falamos da “corrida espacial”. E, desde que a SpaceX foi fundada por Elon Musk em 2002, o sonho de levar humanos para Marte parece que está cada vez mais próximo. Mas, quão próximo?

Existem muitos motivos de porque a gente ainda não levou nenhum astronauta para além da Lua, um deles é algo que é praticamente ignorado por quase todos os filmes, séries e produtos culturais que ajudam a manter vivo o nosso sonho de se tornar uma civilização que conseguirá explorar esse grande universo onde vivemos: o Sol.

O problema da radiação

Sabe como você escutou a vida inteira sobre os perigos dos raios solares, toda aquela história de evitar a exposição nos períodos de maior atividade e sempre usar um protetor solar? Multiplique essa preocupação pela enésima potência e você terá um dos principais motivos de porque ainda não levamos os humanos para Marte.

“Um dos grandes problemas de levar humanos pra Marte é a radiação no caminho,” afirma Luis Phillipe Tosi, brasileiro que atua como especialista de robótica no laboratório de Jet Propulsion da NASA, a agência aeroespacial americana e que é um dos principais nomes de toda pesquisa aeroespacial do mundo. Tosi participou do episódio 13 do Innovation Hub Show, onde trouxe uma perspectiva real dos esforços de exploração espacial que vão além do puro otimismo e propaganda. “Normalmente demora de 6 a 9 meses para chegar em Marte, e tudo bem ir dormindo e etc. Mas o problema principal é que, uma vez que você sai da proteção da esfera magnética da Terra, você é irradiado o tempo todo por partículas do sol. E a questão é quanto tempo que um humano consegue sobreviver sem essa proteção, e que tipo de proteção você teria na jornada até Marte. Até pouco tempo atrás fazer uma nave espacial que conseguisse proteger de uma forma razoável era muito difícil. Você precisava de muita energia, dependendo do tipo de escudo [magnético], ou precisava de muito peso, no caso de usar chumbo ou água como métodos de se proteger contra a radiação solar.”

Mas mesmo que esse problema seja solucionado, há ainda um outro grande a se solucionar: como as pessoas se comportarão isoladas de qualquer rede de apoio,

BBM – Big Brother Marte

A questão do isolamento é uma das maiores causas de preocupação das equipes responsáveis por planejar as missões especiais com humanos – principalmente quando falamos de levar pessoas para Marte. Primeiro, porque é basicamente uma viagem sem volta: a partir do momento que começarmos os esforços de colonizar outro planeta, as pessoas que estarão lá não terão opção de desistir e voltar pra Terra. A única escolha será completar com sucesso a colonização (basicamente criar um bioma capaz de garantir a sobrevivência e sustento de todos que estão ali) ou então morrer tentando.

E é aí que entra a questão do isolamento: como essas pessoas vão se comportar num planeta onde não há a opção de sair pra “clarear as ideias” ou fazer uma viagem pra desestressar? O isolamento de uma missão de colonização em Marte seria como uma versão extrema do Big Brother, onde você tem apenas todos os problemas que a isolação pode causar, mas não tem a esperança de que aquilo irá durar no máximo três meses e você vai sair de lá milionário.

“Existe toda uma área de estudo da psicologia de resposta a confinamento. Então a NASA faz estudos no Havaí, no Alasca e em outros lugares, confinando pessoas e vendo como elas respondem a longos períodos de isolamento.” Quem afirma isso é Douglas Galante, Professor de geobiologia no Instituto de Geociências da USP e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Astrobiologia, e que também esteve presente no episódio 13 do Innovation Hub Show.

Ele relembra de um esforço de testar o comportamento humano em condição de isolamento extremo nos anos 1990 (e que não deu muito certo): o Biosphere 2. O projeto consistia de um domo completamente isolado do mundo, onde os participantes deveriam tentar construir um bioma completo e auto contido. A primeira missão durou exatamente 2 anos – de 26 de setembro de 1991 a 26 de setembro de 1993 – e apresentou resultados mistos: ainda que os tripulantes tenham tido melhoras substanciais na saúde (redução do colesterol no sangue, além de uma pressão arterial mais estável e um aprimoramento no sistema biológico) e o sistema agrícola implementado ter sido um dos mais produtivos do mundo, a dinâmica de isolamento extremo acabou não sendo um sucesso a longo prazo, e os tripulantes dessa primeira missão terminaram se alimentando de sementes que ainda não haviam germinado e praticamente odiando uns aos outros.

Ainda que no começo todos concordaram em trabalhar em conjunto – pois só assim poderiam garantir o sucesso do empreendimento – em questão de meses começaram a surgir conflitos. Diferentes grupos foram formados, cada um acreditando que os experimentos científicos dentro da esfera deveriam ser feitos de forma diferente, e essa divisão foi um dos motivos que levou a missão ao fim com o status de falha – mesmo que a ciência feita lá dentro, principalmente no primeiro ano, tenha mostrado resultados promissores.

Já a segunda missão foi mais curta e bem mais conturbada. Com duração planejada de 10 meses, ela sofreu um enorme baque em menos de um mês do início: devido a problemas de gerenciamento, houve a expulsão do Serviço de Delegados dos EUA (os famosos U.S. Marshalls – Os Federais, que qualquer pessoa que já assistiu filmes de ação dos 1990 deve conhecer) e o projeto passou para as mãos do então banqueiro Steve Bannon (o mesmo que, décadas depois, se tornaria o estrategista-chefe do governo de Donald Trump e um dos primeiros membros do gabinete do ex-presidente americano a ser condenado por cometer fraude financeira). Quatro dias depois da mudança de direção, dois dos membros da missão original da Biosphere invadiram o projeto, abrindo à força uma porta dupla de eclusa de ar, três saídas de emergência e quebrando cinco vidraças. A invasão foi justificada como um “dever ético” perante aos integrantes atuais da Biosfera, que não estavam por dentro das mudanças no gerenciamento do projeto. Isto porque, enquanto as pessoas estavam lá dentro, a nova administração já pensava em cortar custos e, de acordo com quem fazia parte dessas discussões, a segurança dos participantes não era uma prioridade nessas conversas. A missão “sobreviveu” a todo esse caos, mas acabou sendo encerrada prematuramente em 6 de setembro de 1994, após apenas 6 meses. 

Explorar o espaço…por que?

OK, existem muitos desafios para realmente nos tornarmos uma civilização exploradora de outros planetas, mas uma pergunta que muitos fazem é: por que? Afinal, a gente mal consegue cuidar do nosso próprio planeta, então qual o motivo de termos tanta necessidade de irmos para outros?

Um dos motivos citados por muitos – inclusive pelo próprio Elon Musk – é o da sobrevivência da espécie. E este é um ponto lógico: afinal, se algo acontecer com a Terra – por exemplo, um asteroide enorme colidir com o planeta, ou uma guerra nuclear devastar tudo por aqui – a nossa espécie inteira pode acabar extinta. Agora, se nos tornamos uma civilização multiplanetária antes de algo assim acontecer, as chances de extinção são bem menores.

Mas, para Douglas Galante, existe um outro motivo menos nobre para existir tanto interesse no espaço: “Eu acredito que a exploração espacial vai ser movida principalmente por interesse econômico. Não vai ser porque queremos ter uma casinha em Marte ou porque não queremos que a nossa espécie seja extinta. Mas o que vem se dizendo é que o primeiro trilionário do planeta vai ser aquele que começar a explorar economicamente e fazer mineração de asteroides. Ou seja, ir pro espaço, coletar em asteroides elementos raros na Terra, trazer isso pra cá e vender por aqui.”

Quer dizer então que os bilhões gastos com pesquisas para exploração espacial são apenas para permitir que, no futuro, algum bilionário se torne um trilionário? Em parte sim, mas Douglas garante que é muito mais que isso, e que todo esse processo de pesquisa em torno da exploração espacial é muito importante para a sociedade como um todo: “Uma coisa interessante quando a gente fala de colonizar outro planeta, ou fazer exploração espacial, ou fazer agricultura espacial, é que a gente aprende muito sobre os processos de funcionamento do nosso próprio planeta no meio do caminho. Nem sempre vai ser um gadget que a gente vai desenvolver, mas às vezes vai ser um conhecimento que vai ajudar a gente, por exemplo, a fazer geoengenharia – ou seja, mudar o nosso planeta em escala global – para controlar o aquecimento global. Então o mesmo conhecimento que eu estou aplicando em Marte pra transformar ele num planeta habitável eu posso retro aplicar no nosso planeta para fazer com que ele volte a ser mais habitável.”

Feito pro espaço, usado na Terra

E este é talvez um dos principais motivos para se continuar investindo na exploração espacial: o desenvolvimento de tecnologias que acabam nos ajudando todos os dias aqui na Terra. “Uma pergunta que muita gente faz é porque gastar bilhões de dólares com o espaço quando tem milhões de pessoas passando fome aqui na Terra ou quando tem uma tragédia como as enchentes do Rio Grande do Sul, com milhares de pessoas desabrigadas,” comentou Douglas Galante no podcast, explicando o porquê esse investimento na exploração espacial é um investimento na nossa melhoria de vida. “Mas a indústria aeroespacial e a exploração espacial não só movimentam a economia em vários níveis, mas elas desenvolvem tecnologias, e essas tecnologias acabam depois virando produtos no dia a dia: rede WiFi, computação na nuvem, tudo isso existe graças à exploração espacial ou astronomia.”

“Eu brinco às vezes que a NASA inventou o Instagram,” comentou Tosi sobre algumas dessas tecnologias que foram inventadas por causa das pesquisas de exploração espacial, “porque a patente da câmera do celular veio do nosso centro [NASA], que foi re-licenciado e passado ao público.”

Outra tecnologia que só existe por causa dessas pesquisas é a computação na nuvem, que foi desenvolvida pelo Instituto SETI em seus esforços de encontrar vida inteligente e comunicante fora da Terra. Este instituto tinha um problema de processamento de dados, pois as informações que eles recebiam de suas tentativas de encontrar vida fora do planeta eram uma quantidade tão grande de dados que eles simplesmente não conseguiam processar tudo nos computadores da organização. Para resolver isso, desenvolveram um software que poderia ser instalado em qualquer computador, e este programa permitiria que o computador recebesse um pequeno pacote de dados do instituto, fazer o processamento e enviar o resultado para o servidor do SETI, que então pegava todos esses pacotes e os combinavam em um único produto. Esta solução acabou se tornando o primeiro supercomputador em nuvem do planeta, e o mesmo conceito criado ali é usado em todos os grandes servidores de nuvem existentes hoje.

Então, ainda que não seja possível saber quando – ou mesmo se – iremos criar a primeira colônia humana em Marte ou em qualquer outro exoplaneta que exista pelo universo (e aí ainda tem o desafio do transporte, pois com a tecnologia atual levaríamos cerca de 75 mil anos para chegarmos em Próxima Centauri b, o exoplaneta mais próximo de nós), a pesquisa de exploração espacial é fundamental para continuarmos avançando nosso conhecimento tecnológico. E é bem possível que, antes mesmo de colonizarmos outro planeta, o conhecimento adquirido nessas pesquisas nos ajude a salvar o nosso.

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