Sem medo de IA: como o brasileiro desafia o senso comum sobre o futuro

Sem medo de IA: como o brasileiro desafia o senso comum sobre o futuro

Quer saber algo que vai contra tudo aquilo que te disseram sobre a IA no mercado de trabalho? Dá uma olhada nessa informação que nosso host Igor Lopes trouxe no episódio 9 do Innovation Hub Show: “”77% dos brasileiros não tem medo de perder o emprego pra tecnologia, mas sim de perder o emprego pra alguém que conheça mais sobre tecnologia do que ele.” 

Essa informação – que foi revelada na edição 2024 do relatório Futuro do Trabalho – vai contra toda aquela ideia do senso comum de que os trabalhadores estão todos com medo de que a IA irá roubar seus empregos (aliás, sempre que eu escuto essa história da IA roubar empregos, eu lembro de uma piada que diz que, se a IA quer ser explorada e ganhar mixaria, ela que vá em frente e pegue meu emprego).

Mas o que exatamente esse dado quer dizer: os brasileiros confiam muito no próprio taco e não acreditam no poder disruptivo dos algoritmos de inteligência artificial, ou eles não estão entendendo direito tudo o que está acontecendo?

O Futuro do Trabalho no Brasil

E foi para falar um pouco sobre isso que na edição desta semana do podcast trouxemos Marcelo Gripa, jornalista especializado em tecnologia e cofundador da Futuros Possíveis – uma plataforma que tem como principal objetivo produzir conteúdos que ajudem o público a entender sobre o que esperar do futuro, e que inclusive conduziu a pesquisa que resultou no relatório Futuro do Trabalho. 

Para Marcelo, a própria pesquisa refuta a ideia de que o brasileiro não entende as mudanças que estão acontecendo no mercado: “O brasileiro tá captando sim que as transformações estão acontecendo. Tem uma pergunta da pesquisa que diz o seguinte: ‘qual a porcentagem das pessoas que acreditam que um robô substitui a interação humana?’ Ano passado 80% achavam que não substituia. Este ano, 70% acham que não substitui. Mesmo que essa diferença esteja caindo, ainda é uma porcentagem muito grande de pessoas que acham que robô é uma coisa, humano é outra.” 

Ele ainda aponta que este resultado pode servir como direção para as empresas que tem corrido para implementar chatbots nos setores de atendimento ao cliente: não precisam ir com tanta sede ao pote. Apesar das empresas acharem que estão economizando tempo e dinheiro com isso, um chatbot mal implementado pode acabar trazendo prejuízos – principalmente para a imagem desta empresa – já que essas tecnologias tendem a deixar os clientes mais frustrados mesmo quando conseguem resolver o problema dele.

Mas apesar da pesquisa mostrar que os trabalhadores brasileiros estão sim percebendo as mudanças que ocorrem no mercado, ela também mostra como essa percepção ainda é limitada: 40% dos respondentes não sabem dizer se a empresa onde trabalham utiliza abordagens de Big Data, e 21% não sabem responder se o local onde trabalham já utiliza IA nas operações.

Outro dado interessante mostrado pela pesquisa e que dá mais argumentos para a confiança do brasileiro na sua capacidade: 56% dos respondentes não acreditam que a sua profissão irá sumir dentro dos próximos 20 anos. Esse número é ainda mais interessante quando comparado com os resultados da mesma pesquisa em 2023, na qual 49% acreditavam que seus empregos não seriam extintos nos próximos 20 anos. A impressão que fica é que, quanto mais os trabalhadores lidam diariamente com as novas tecnologias, eles percebem que elas ainda são um tanto limitadas e não conseguiriam fazer todo o escopo das tarefas que o seus cargos exigem.

Mas isso não quer dizer que essas tecnologias não podem fazer parte das tarefas desses trabalhadores, e isso também é indicado pela pesquisa: 52% dos respondentes afirmaram que o uso das novas tecnologias (como IA, Big Data, etc.) melhorou sua produtividade, 67% afirmou que gasta menos tempo para terminar suas tarefas, e 36% apontou que elas facilitaram atender seus clientes. O grande destaque é no quesito “fazer as tarefas em menos tempo”, que aumentou 15 pontos percentuais em relação à edição de 2023 da pesquisa.

Essas mudanças nos percentuais de um ano para o outro pintam um cenário bem claro: as pessoas estão usando as novas tecnologias – principalmente as IA generativas – e percebendo que elas são realmente úteis e que facilitam muito uma boa parte do trabalho. Mas, ao mesmo tempo, também percebem cada vez mais que aquela ideia de que “a IA vai roubar seu emprego e fazer tudo o que você faz” é papo de tech bro que odeia pessoas: por mais que elas possam ser muito boas e evoluir cada vez mais, dificilmente elas conseguirão superar algumas limitações que permitirão com que ela automatize 100% todas as funções de um cargo.

“Limitação” 100% brasileira

Mas, porque esse otimismo com o papel das IA no mercado de trabalho é tão grande no Brasil? Um dos motivos talvez seja a nossa própria cultura como trabalhadores. Primeiro, que o trabalhador médio brasileiro quase sempre é multifunção: o vendedor da loja também muitas vezes é operador de caixa e assistente no estoque; o técnico debugador também faz reparos e auxilia a linha de produção; e na área de comunicação, nada mais comum do que o combo redator/apresentador/roteirista/podcaster/social media/webmaster. O “faz tudo” não é apenas uma característica procurada no mercado, mas uma necessidade de qualquer pessoa, em qualquer área, em um mercado de trabalho onde quase sempre saber apenas uma única função é muito pouco.

E um outro motivo – que também é muito cultural do brasileiro – foi citado pela Gigi Casimiro, produtora de conteúdo no metaverso e que está sempre viajando pelo mundo, como algo que nos diferencia de praticamente todos os outros países: a facilidade em resolver tudo na gambiarra. Durante o episódio 9 do podcast, a Gigi mandou a real: “O brasileiro é um grande gambeólogo. A gente toma decisões ágeis, como gambeólogos, o tempo todo. Então acho que esse é o grande diferencial do brasileiro quando se fala em tecnologia e inovação.”

E, como já falamos em outros momentos, a capacidade de tomar decisões rápidas será uma das habilidades mais necessárias para o futuro pós-IA. Assim, o fato de já estarmos acostumados a tomar decisões ágeis e resolver coisas da forma mais rápida e funcional possível (a famosa gambiarra) nos coloca naturalmente em vantagem para atender as necessidades do mercado de trabalho do futuro.

Sem complexo de vira-lata

Eu sei, muita gente que chegou no texto até aqui deve estar se perguntando: como assim o brasileiro está em vantagem quando falamos das habilidades de trabalho necessárias para o futuro? Afinal, nós não somos nem mesmo considerados como um país desenvolvido, e as tecnologias mais recentes, quando chegam por aqui, são sempre muito caras!

Mas assim como já falamos várias vezes por aqui que inovação não é só IA, tecnologia também não é só o iPhone novo. E como a Gigi bem lembra durante o podcast, existem alguns pontos em que estamos até mais avançados do que alguns países da Europa: “Na prática o Brasil está bem avançado. A gente incorpora tecnologia, a gente digitaliza processo, a gente tem certificado digital. E na Europa muito dessas coisas ainda não são comuns, tem um certo conservadorismo [dos processos burocráticos] que o Brasil não tem.”

Isso quer dizer que já estamos prontos e não precisamos melhorar? Também não. Afinal, não podemos esquecer que o Brasil é um país enorme e muito desigual – e é essa desigualdade uma das maiores dificuldades a serem superadas para o pleno desenvolvimento nacional. E o próprio Marcelo, da Futuros Possíveis, viveu de perto essa realidade desigual: “O Brasil tem exemplos incríveis de digitalização, mas até pouco tempo atrás eu morava numa região que não tinha CEP e não conseguia receber um produto comprado online. Então de um lado você tem um mercado muito avançado, e do outro as pessoas que não tem acesso a ele. É preciso reduzir essa diferença.”

E é justo como as novas tecnologias podem aumentar esta desigualdade social, que já é tão grande por aqui, uma das preocupações da Gigi Casimiro: “O que eu acho que é preocupante é que eu sempre vejo que a tecnologia veio com a ideia de promover a igualdade entre as pessoas e nações, só que na prática a gente vê o contrário. A disparidade social se torna cada vez maior porque agora não há só uma má distribuição do capital ou do conhecimento técnico, mas do próprio acesso a essas novas tecnologias.”

Esta disparidade fica clara não só no sentido de poder consumir as novas tecnologias – por exemplo, o preço oficial do iPhone 14 mais simples por aqui está quase R$7 mil, e mesmo o iPhone SE (que é marqueteado pela Apple como um modelo mais acessível) tem preço oficial de venda aqui acima de R$4 mil – mas até de não ter estrutura para poder utilizar essas tecnologias. De acordo com as estimativas fornecidas pelas companhias distribuidoras de energia, existem cerca de 2 milhões de brasileiros que ainda não possuem acesso à energia elétrica em suas casas, e acredita-se que uma boa parte delas nunca terá este acesso por conta das restrições existentes nos locais onde vivem.

Como sempre, a educação é o futuro

Então, como nos preparar para não deixar que essas novas tecnologias criem um futuro ainda mais desigual? Para Marcelo, a solução está na educação: “É daí que vem a necessidade de fazer todo mundo entender pra que serve a tecnologia, quais são as oportunidades, os desafios e os perigos, pra que você não aumente as desigualdades ao invés de reduzir.”

Ele acredita que a solução para o problema da educação para o futuro está na junção de forças entre poder público e iniciativa privada com um único objetivo: facilitar o acesso das pessoas a treinamentos e à conscientização de tudo que está em jogo. Pois, mesmo que a IA não substitua plenamente o seu emprego, ela com certeza irá transformá-lo – e é preciso que as pessoas estejam preparadas para essas transformações.

Neste sentido, Marcelo também deixa um alerta para as pessoas: desconfie de quem tem muita certeza sobre como será o futuro. “Tem gente que vem com ‘o futuro é isso, é aquilo’, o futuro é o futuro. Ele vai existir. E o caminho para chegar lá é que vai depender das ações que serão tomadas.”

Como jornalista que é, Marcelo não se sente seguro para cravar exatamente como será o futuro – seja do Brasil, seja das IA, seja de qualquer outra coisa. Mas ele tem uma certeza sobre qualquer tipo de futuro: “Ele pode ser melhor a partir da informação. Então a gente acha que dando essas informações, discutindo, problematizando é que a gente constrói um futuro melhor.”

O Marcelo pode não gostar de cravar futuros, mas eu irei cravar um aqui por vontade própria: o brasileiro continuará testando o senso comum sobre tudo. Até porque, para o povo que inventou que o melhor jeito de esquentar a água do banho era aplicando uma alta carga de eletricidade nela – e não teve medo de testar essa ideia e vendê-la como a solução padrão para todo o país – a única coisa que podemos esperar é o inesperado. Afinal, não é à toa que tanta gente acha que nós devíamos ser estudados pela NASA.

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