O veganismo é a inovação que vai salvar nosso planeta?

O veganismo é a inovação que vai salvar nosso planeta?

Calma! Antes que você comece a digitar com o CAPS LOCK ativado sobre como essa agenda woke do veganismo está destruindo a família tradicional, quero fazer o disclaimer aqui de que eu não sou vegano – ou mesmo vegetariano. É triste ter que falar isso antes de começar o texto de verdade pra que algumas pessoas sigam a leitura, mas é verdade: eu sou daquelas pessoas que come carne todos os dias, e tenho o coração de frango e o filé mignon à parmegiana no meu “Top 3 comidas preferidas da vida”. Mas eu também não sou negacionista, e entendo que a indústria da carne tem causado muitos problemas para o planeta – e que mudar alguns dos nossos hábitos de consumo é o primeiro passo para resolver aquilo que realmente é um problema: o atual modo de produção da carne.

E esta talvez seja a verdade inconveniente e que não é discutida o suficiente: não é o consumo de carne o grande vilão do mundo, mas a forma como a carne que consumimos é produzida. Esta é uma noção que foi muito defendida por Cynthia Pereira, diretora de R&D da NotCo, durante o episódio 11 do Innovation Hub Show: “”O problema não é só o sofrimento [do animal], mas é como você produz isso em escala. Porque você pega a família antigamente, você tinha 2 vacas em casa que garantia o leite daquela família; não necessariamente aquela vaca está em sofrimento. Agora como você faz isso numa escala pra conseguir alimentar a quantidade de gente que a gente tem hoje? Então acho que esse é o grande problema: como você faz isso em grande escala.”

Um problema em escala

E é justamente a necessidade de se fazer tudo numa escala gigantesca que faz com que a pecuária seja hoje um dos grandes “vilões” da preservação do meio-ambiente e da luta contra o aquecimento global.

Se você perguntar para o Copilot, ele vai te dizer que os maiores malefícios causados pela agropecuária são o desmatamento (de acordo com um relatório da ONU, 80% do desmatamento no Brasil é para criar áreas de pasto), a poluição (não apenas aquela história absurda – mas real – de que os peidos e arrotos do gado emitem gases que atacam a camada de ozônio e contribuem para o chamado “efeito estufa”, mas o manejo incorreto dos resíduos sólidos gerados durante a criação contribuem para a poluição do solo e da água) e o consumo excessivo de água (estima-se que, entre a criação e todo o processo de abate, cada cabeça de gado consome cerca de 2000 litros de água). E esses são só os efeitos diretos! Se formos considerar os indiretos, como a relação íntima entre a pecuária em escala e a monocultura de soja (que é outra grande vilã do desmatamento brasileiro e que destina quase metade de toda a produção de farelo de soja para o uso como ração animal) e nos efeitos que essa carne pode estar causando para a nossa saúde (há diversos estudos que indicam que os antibióticos dados para o gado durante sua criação, normalmente usados para tratar problemas causados por uma dieta barata e de rápido engordamento, estão ajudando a criar superbactérias resistentes a antibióticos) a questão da produção da carne se torna ainda mais urgente de ser resolvida.

E mesmo quando alguma grande empresa tenta ser bem intencionada, o fato de ter que fazer tudo em escala gera outros problemas. Um exemplo disso é uma experiência que a Cynthia Pereira teve na época em que trabalhou na Danone: a empresa tentou lançar no mercado um iogurte feito com leite orgânico, e num mês específico eles ficaram sem produção porque ocorreu uma infestação de carrapatos na fazenda onde essas vacas estavam e, para ter o selo de produto orgânico, elas eram proibidas de receber qualquer tipo de medicamento – o que causou muitas mortes no rebanho. Então, mesmo quando você tenta ter uma criação mais natural, nem sempre isso é o melhor para o animal se esta criação natural está ligada a uma produção em escala cujo único objetivo é atender uma demanda de mercado.

Mas não é porque este é um problema com a escala que nós como consumidores não temos nenhum poder para tentar resolver essa questão. Tudo bem que nós não iremos resolver isso do dia pra noite, mas uma pequena mudança na nossa cultura de consumo pode fazer uma grande diferença se conseguirmos transformar isso em um movimento no qual todos participam. Ao menos é nisso que acredita Laura Martins, editora do It Fórum e vegetariana há 17 anos: “Se todo mundo fizer a ‘segunda sem carne’, já ajuda o planeta, já ajuda os animais. E assim, quando eu virei vegetariana era uma questão mais de ‘ah, tenho pena dos animais’ e tal, mas a gente ainda não tinha uma noção de meio-ambiente. Hoje em dia isso é muito claro: o consumo de carne no mundo não vai aguentar a quantidade de gente.”

Substituir não é abandonar

OK, a gente sabe que é preciso mudar nossos hábitos, mas não vou negar: isso é algo difícil pra caramba! E muito provavelmente você já ouviu essa piadinha antes (e, se me conhece, provavelmente já ouviu ela vindo da minha boca): o dia que alface for tão boa quando uma picanha eu viro vegetariano. E é justamente isso que a NotCo está tentando fazer.

Provavelmente você conhece a NotCo como a empresa que criou a melhor propaganda deste ano, mas este é só o resultado de um dos muitos produtos que a empresa vêm desenvolvendo. Mais do que apenas oferecer alternativas vegetais ao consumo de carne, a NotCo quer provar que é possível usar a tecnologia da IA para encontrar substitutos vegetais que proporcionem a mesma experiência de um produto de origem animal – ou seja, preservam o mesmo sabor, aroma e textura: “A ideia é que você use do mesmo jeito, não sinta diferença e não perca a conexão emocional que você tem com a comida”, conta Cynthia no episódio 11 do Innovation Hub Show.

Ao invés de ir pelo caminho do julgamento, Cynthia acredita que podemos pensar na ideia de acesso para diminuir o nosso consumo de produtos de origem animal: “Eu gosto muito dessa história de diversificar. Então eu acho assim: qual o problema se eu quiser tomar leite? Nenhum! Mas eu tenho leite pra alimentar todo mundo? Puxa, se o NotMilk for uma opção um dia na semana, que você também inclua aquilo na alimentação, com a mesma quantidade de leite que você produz você vai alimentar muito mais gente.”

Para além da parte de gosto, muitas vezes há também toda uma questão cultural envolvida no consumo de um alimento – e é para ajudar nessas questões também que a empresa desenvolve seus produtos. Um dos mais interessantes nesse quesito é a Not Turtle, um alimento à base de vegetais que oferece o mesmo sabor, aroma e textura de uma sopa feita com a carne da tartaruga verde – um alimento tradicional em países como China, Nigéria, México e Peru, mas que tem se tornado cada vez mais raro nessas regiões devido ao animal estar em risco de extinção.

“”Acho que a ideia era muito isso: como a gente pode ver um problema local ou global, e como a gente pode aportar,” conta Cynthia. “Então, essa história da tartaruga, aquilo [consumir o bicho] está dentro da cultura das pessoas. Então nosso objetivo foi tentar fazer que essas pessoas que estão tão acostumadas, que aquilo tá na cultura delas, que tem a memória afetiva com a comida, será que eu consigo oferecer a mesma coisa sem ter o ônus, que é a extinção das tartarugas? Então será que eu consigo recriar aquilo pra garantir que você vai ter a mesma experiência, e em como a tecnologia pode ajudar nisso.”

Apesar do Not Turtle não ser um produto comercial – ou seja, você não irá encontrar na geladeira do mercado uma sopa de tartaruga Not Turtle pra só esquentar no microondas e consumir – ela serve como um case de sucesso em como a tecnologia pode ser usada para garantir que possamos ter a mesma experiência afetiva de comer nosso prato favorito, mas sem todo o ônus inerente da produção de carne em grande escala (ou, em casos específicos, contribuir para a extinção de uma espécie). Mas existe uma vantagem da Not Turtle não ser um produto comercial: a receita está disponibilizada lá no site da NotCo, e você pode fazer sua própria sopa Not Turtle em casa se quiser.

Um novo momento da indústria

Quem é vegetariano há muitos anos sabe como as inovações da indústria de alimentos tornou muito mais fácil seguir essa dieta. “”É um mercado que tá evoluindo muito rápido”, afirmou a jornalista Laura Martins no podcast. “Eu sou vegetariana há 17 anos. Quando eu comecei a ser vegetariana não tinha nada. Era legume, aquela soja que se não fosse bem feita ficava horrível, e só.”

Sabe aquela história de que “quando alface tiver gosto de picanha eu viro vegetariano”? Na realidade este dia meio que já chegou: é possível encontrar no mercado diversas boas alternativas vegetais – desde hambúrgueres e salsichas até kibes, frangos empanados e escondidinhos – que são 100% veganos e exatamente iguais aos originais de origem animal – inclusive tendo o mesmo sabor, aroma e textura destes.

Com tantas alternativas, a ideia de uma “segunda sem carne” deixar de ser uma utopia e ser tornar um movimento real se torna cada vez mais possível. E sim, fazer apenas isso pode ser ainda muito pouco para salvar o meio-ambiente, mas já é um passo importante. E mesmo que seja um passo pequeno perto de tudo o que precisa ser mudado, é melhor se mexer – mesmo que pouco – do que continuarmos parados.

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