Da Regra 34 ao Neurodildo: como a tecnologia influencia o sexo

Da Regra 34 ao Neurodildo: como a tecnologia influencia o sexo

Todo mundo que já vive há algum tempo na internet sabe muito bem o que é a “regra 34”: se algo existe no mundo, pode ter certeza que você irá encontrar uma versão pornô disso. Não importa se falamos de filmes, desenhos infantis, modelos de carro ou jogadores de futebol: a regra 34 nunca falha, e a não existência de uma versão pornô de algo pode implicar em uma verdadeira crise existencial sobre se aquilo realmente existe.

Mas a relação entre pornografia e tecnologia vai muito além dessa regra. Afinal, não é de hoje que a indústria pornográfica é early adopter e importante aliada na popularização de novas tecnologias. Foi esta indústria uma das grandes responsáveis pela popularização das fitas VHS, dos DVDs e dos streamings em alta resolução – e, agora, são as produtoras pornôs algumas das primeiras a desenvolverem produtos de entretenimento voltados para a realidade virtual. Mesmo a internet como conhecemos hoje teve uma enorme contribuição desta indústria: no começo dos anos 2000, muitas empresas ainda não sabiam se valia a pena investir em sites e levar os seus negócios para o digital. E quais foram alguns dos primeiros negócios online que se tornaram lucrativos e mostraram para a indústria que ali era um ótimo lugar para alcançar novos consumidores? Isso mesmo que você imaginou: os sites pornôs.

Um dos motivos que explicam o sucesso da pornografia na popularização de novos formatos é o fato das pessoas que consomem esse conteúdo querer fazer isso com a maior qualidade possível, mas também com o máximo de privacidade. As fitas VHS e o DVD permitiram que as pessoas pudessem assistir pornografia a hora que quisessem em casa, com muito mais privacidade do que a encontrada nos antigos cinemas. E tudo ficou ainda mais fácil com a internet e os streamings de vídeo, que permitem acessar esses conteúdos em qualquer lugar. Mas, da mesma forma que a facilidade do acesso ao pornô de alta qualidade torna a indústria pornográfica um mercado que não para de crescer, ele também tem contribuído para que as pessoas pratiquem cada vez menos sexo entre si. Ah, a ironia!

Mais pornô = menos sexo?

“A gente tem toda uma indústria de um sexo facilitado, um sexo solitário, máquinas que te entendem,” comenta Gigi Casimiro, produtora de eventos no metaverso e host do Innovation Hub Show. “Mas, ao mesmo tempo, a gente tem que lembrar que a inteligência sexual é essencial para que a gente continue evoluindo e existindo enquanto espécie.”

E este é um problema que vem sendo diagnosticado por pesquisas ao redor do mundo: as pessoas estão fazendo menos sexo – principalmente as que tem menos de 30 anos, não importa o gênero. Os motivos indicados para tentar explicar isso são muitos: desde o fato de que uma maior parcela dessa população continua a morar com os pais, passando pelos níveis de estresse com o trabalho e até mesmo pelo fato de que os jovens possuem mais opções de entretenimento do que a prática sexual. E claro, a tecnologia e a pornografia também são apontadas como alguns dos culpados.

“Quando a gente olha pra essas novas gerações, que estão tentando se afastar um pouco, virtualizar boa parte dos processos de convivência e comunicação – porque a gente conversa muito mais online do que ali, corpo a corpo com as pessoas – a gente meio que vai perdendo um pouco essa materialidade que é essencial pra vida.” Quem fala isto é Rita Wu, analista de tecnologia da CNN Brasil. Desde que fundou o antigo grupo TecnoPorn, lá no comecinho do Facebook, ela sempre se manteve atenta às relações existentes entre pornografia, sexo e tecnologia. “Então acho que pensar também essas relações tecnológicas que a gente tem em todos os relacionamentos é uma coisa interessante, porque a tecnologia muda muito a nossa forma de inter-relação. Ela faz uma mediação que pode ser incrível, mas a gente não pode esquecer que tem um corpo. E se essas gerações agora estão fazendo menos sexo e se reproduzindo menos, isso em algum momento vai acabar sendo um problema.”

Para Gigi Casimiro, este abandono do sexo real por algo cada vez mais virtual (e que lembra aquela famosa cena de “sexo” no filme O Demolidor) pode acabar fazendo com que nos tornemos também cada vez menos humanos: “A gente percebe que as habilidades emocionais, cognitivas, comunicacionais estão se perdendo. Então o sexo é muito mais importante hoje do que ele parece ser. Ele é uma necessidade de sobrevivência, óbvio, mas hoje acho que é ainda maior.” E se o sexo como o conhecemos já está sofrendo com as tecnologias atuais – oh boy! – espere só até a IA se popularizar de verdade. “Como que a gente fica quando começarmos a nos relacionar com inteligências artificiais que nos compreendem?”, indaga Rita Wu. “A gente não vai ter a questão do erro, a gente não vai ter conflitos. Então como ficam essas pessoas que estão lidando com outras que são exatamente o que elas querem? A gente vai perder as capacidades humanas, como a empatia.”

E um dos motivos que permite essa virtualização total do sexo? O fato de a indústria pornô – assim como a do videogame e o cinema de super-heróis – ainda enxergar como seu público alvo o universo masculino. “ Quando a gente olha pra indústria do sexo digital, ela leva em consideração uma questão muito mais visual do que sensorial,” comenta Gigi Casimiro. “Se você olhar pro PornHub ou qualquer outra plataforma ela é muito mais orientada para o público masculino. Porque quando a gente pensa em sexo, o homem é muito mais visual do que a mulher. A mulher quer uma outra narrativa pro sexo.” E aqui eu não consigo não lembrar de uma ótima piada da Taylor Tomlinson, que conta em uma de suas rotinas de stand-up como o pornô que mais a fez gozar foi um áudio que simulava uma história de que ela havia batido o carro, e então uma voz masculina ficava ali a confortando e falando que tudo ia dar certo.

Além dos limites do pornô

Então, como superar a virtualização do sexo e fazer com que a prática real do ato volte a se tornar mais interessante? Para Rita Wu, a mesma tecnologia que hoje é inimiga pode também ser uma grande aliada nessa luta: “Quando essa tecnologia começar a vir pro físico e sair dessa coisa totalmente virtual, aí a gente pode ter alguns potenciais interessantes e trazer novas formas da gente sentir. Quando a gente pensa em tecnologia no sexo eu acho que essas possibilidades sensoriais acabam aumentando, então tem um potencial interessante aí.”

E quando o assunto é tecnologia sensorial como ampliação de sentidos do sexo, a analista sabe bem do que fala. Afinal, ela foi uma das inventoras do Neurodildo, um brinquedo sexual (o popular “consolo”) eletrônico controlado por ondas cerebrais que permite ao usuário programar, manipular e mudar o nível de vibração do console, ao mesmo tempo que recebe um feedback neural que simula a contração dos músculos sentida nos movimentos de penetração. Este equipamento foi desenvolvido não apenas para que casais em relacionamentos de longa distância possam simular o sexo real, mas também para que pessoas com deficiências motoras experimentem as sensações do ato sexual.

Mesmo que ainda não saibamos o que vai ser o futuro do sexo, podemos dizer que os laboratórios de biotecnologia são uma verdadeira casa de surubas – pelo menos de um certo ponto de vista, como já diria Obi Wan Kenobi. Porque, de uma posição da biologia, o sexo nada mais é do que a troca de dados genéticos, então praticamente todos os experimentos feitos para criar computadores a partir de células orgânicas são cientistas “transando” com bactérias, neurônios e outros organismos unicelulares. Aonde eu quero chegar com isso? Não sei. Mas eu acho essa ideia muito engraçada e não queria deixar ela de fora desse texto.

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