O que significa “banir o TikTok” e como isso vai te afetar

O que significa “banir o TikTok” e como isso vai te afetar

Durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, era o medo nuclear – e o “fantasma do comunismo” – que assombravam os cidadãos dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Quase 40 anos depois, o “fantasma do comunismo” continua sendo um dos pivôs de uma nova “Guerra Fria” que o país enfrenta, mas a maior justificativa para os embates cada vez mais frequentes entre o país e a China não está mais na ameaça nuclear, mas na segurança e privacidade dos dados dos americanos.

Em um passado recente, o grande campo de combate foram os equipamentos 5G da Huawei. Hoje, a maior batalha é travada pelo app mais baixado do mundo: o TikTok. No dia 24 de abril, o presidente dos EUA, Joe Biden, aprovou um projeto de lei que pode banir o aplicativo de todo o país. Mas qual exatamente é o motivo do banimento, e como ele pode afetar o uso do TikTok aqui no Brasil?

TikTok x Segurança Nacional

Existem muitos argumentos que representantes do governo e de alguns setores da indústria dos EUA tem usado para justificar o banimento do app chinês, mas um dos principais seria uma suposta questão de segurança pública: o receio de que o governo chinês poderia obrigar o TikTok a oferecer os dados de todos os 170 milhões de usuários americanos da plataforma. Mas existe um segundo argumento (que, sinceramente, é bem infantil) que foi lembrado por Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em direito digital, no episódio 7 do podcast Innovation Hub Show

“Nessa história de banimento do TikTok, a justificativa de alguns americanos é que eles sempre fomentaram o mercado chinês e não tinham um retorno, porque a China sempre foi muita fechada e favorecia o mercado interno. Então o aplicativo, que é Bytedance na China e no resto do mundo é o TikTok, pode ser usado no mundo inteiro, mas a Meta não pode lançar o Facebook na China.”

E nessa questão de “você não me deixa brincar no seu quintal então também não vou te deixar brincar no meu”, In Hsieh, co-fundador da Chinnovation (uma aceleradora de negócios digitais que promove a relação entre Brasil e China), aponta que a história não é bem assim: não foi a China que impediu os EUA de brincar no quintal dela, mas os EUA que se recusaram a seguir as regras da casa enquanto estavam lá dentro:

“A Bytedance tem dois aplicativos: o TikTok (que é a versão mundial) e uma versão local para o mercado chines. Quando o Google e o Facebook foram banidos, eles tiveram a opção de adaptar os algoritmos, os filtros, a tecnologia desses apps para a legislação e para o mercado local.” Hsieh lembra que o banimento dessas empresas no mercado chinês só aconteceu quando essas empresas se recusaram a fazer as adaptações. Então, não foi exatamente um banimento, mas uma recusa dessas empresas de se adequar para atuar nas leis locais.

E isto é bem diferente do que está acontecendo com o TikTok nos EUA: a Bytedance não recebeu nenhum pedido do governo dos EUA para se adaptar aos costumes locais. Ao contrário, recebeu apenas um ultimato: ou ela vende toda a operação dela nos EUA para empresas que não possuem ligações com o governo chinês, ou ela simplesmente não poderá mais operar no país.

Perigo real ou imaginário?

Mas voltando à questão da segurança nacional: o TikTok oferece mesmo algum perigo para a segurança nacional? Se pensarmos de forma mais superficial, parece difícil que um app usado majoritariamente para espalhar novas dancinhas e publicar cortes de podcast (falando nisso, você já segue o Innovation Hub Show no TikTok?) possa oferecer um grande perigo para a segurança nacional. Mas, quando pensamos mais profundamente na questão dos dados e o acesso do governo chinês a eles, continua sendo difícil ver o aplicativo como um grande vilão da segurança americana.

Para Hsieh, a questão do acesso do governo chinês aos dados de usuários do TikTok é um tanto quanto exagerada por aqueles que têm interesse em manter o sentimento de medo – sentimento este que é o combustível de uma guerra fria: “A gente tem a impressão de que o governo vai lá, baixa o arquivo e tá tudo ali. Não é exatamente isso. Tem organizações, têm órgãos que você tem que acessar. Obviamente o nível de facilidade, os caminhos pra fazer isso são diferentes. Mas as empresas possuem formas de proteger as suas informações internas, até porque elas têm concorrentes e não podem permitir que alguém tenha acesso a todas as informações sobre ela e seus clientes.”

Além disso, há outros meios mais fáceis da China adquirir dados de usuários dos EUA. Afinal, hoje existem diversos data brokers – empresas que lucram desenvolvendo bases de dados e revendendo essas bases para quem tem interesse nelas, sejam agências de marketing, multinacionais ou mesmo governos. E esses data brokers podem oferecer informações sensíveis e que o TikTok não necessariamente possui acesso em suas bases (por não serem algo obrigatório a todos os usuários compartilhar). Por exemplo, transações bancárias, históricos médicos e afiliações profissionais.

E, claro, há também toda uma questão de “você acusa os outros daquilo que você faz”: não podemos esquecer que o motivo de Edward Snowden estar se escondendo há mais de 10 anos do governo dos EUA é por ele ter desvendado que a CIA, por meio da NSA (Agência de Segurança Nacional), monitorava comunicações e os acessos de internet de todos os cidadãos de diversos países do mundo, criando uma base com informações privadas de pessoas que não moram nos EUA, mas que poderia ser usada pelo governo do país para qualquer fim. Ou seja, o mesmo tratamento de espionagem que eles acusavam a China de fazer. A diferença é que o EUA foi pego com a mão na botija, enquanto nenhuma das investigações conseguiu provar que a Huawei – e, mais recentemente, o TikTok – estavam fazendo o mesmo para o governo chinês.

A rede global cada vez mais local

Para Hsieh, esta história toda do TikTok contra o governo dos EUA só ajuda a comprovar uma percepção que ele tem desenvolvido nos últimos anos: a de que, cada vez mais, a rede mundial de computadores está se tornando algo intrinsecamente local: “A sensação que eu tenho cada vez mais é de que o que a gente chama de internet é uma localnet. Cada país, cada região tem as suas peculiaridades e tem inclusive suas leis. E com o algoritmo fica cada vez mais né? Porque um dos principais pontos do algoritmo é a geolocalização do usuário. Então se você mudar de bairro o seu resultado de pesquisa vai ser diferente, porque ele vai te dar uma publicidade diferente. E a gente muitas vezes não tem essa percepção.”

Essa percepção também foi algo que o advogado Luiz Augusto D’Urso teve em uma de suas viagens para os EUA. No episódio 7 do podcast, ele conta sobre um produto que ele estava interessado em comprar, mas queria saber primeiro o preço dele aqui no Brasil pra ver se valia menos a pena: “Eu não conseguia, porque por eu estar logado lá nos EUA todas as lojas e buscadores automaticamente só me passavam os preços de lá, em dólar, e não dava pra driblar. Tive que ligar pra um familiar meu aqui no Brasil fazer essa pesquisa pra mim. E ali foi uma virada de chave pra mim, que a gente tem a premissa de que a internet é essa coisa tão global, mas no fundo ela é tão local.”

Mas, e no Brasil?

A dúvida que muita gente tem é: se o TikTok for mesmo banido nos EUA (e esse é um SE enorme, porque entre o tempo dado para que o TikTok venda suas operações no EUA e possíveis disputas judiciais que coloquem todo o processo em pausa, pode demorar anos até que o banimento realmente aconteça), como isso vai afetar o app aqui no Brasil?  

Se falarmos de forma direta, absolutamente nada. A lei dos EUA não interfere em nada que possa impedir ou atrapalhar as operações do app no Brasil – e, mesmo nos EUA, o banimento significará apenas que o aplicativo não estará disponível da App Store e Play Store, e em poderá ser atualizado de forma oficial, mas ninguém que já tiver o app instalado e continuar usando após o banimento será preso ou nada do tipo.

Agora, se formos considerar as formas indiretas como isso pode afetar, a história é mais complicada. Se pegarmos como exemplo a disputa do governo dos EUA com os equipamentos 5G da Huawei, o banimento do país será apenas o primeiro passo. Após garantir que o app não esteja mais disponível no mercado nacional, o governo dos EUA provavelmente passará a fazer pressão nos aliados para que tomem decisões parecidas em seus territórios – e aí cabe os esforços diplomáticos de cada país para navegar esse disputa sem estragar as relações nem com os EUA e nem com a China.

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