OpenAI e Scarlett Johansson: como uma boa estratégia de comunicação pode salvar sua empresa de falhas críticas

OpenAI e Scarlett Johansson: como uma boa estratégia de comunicação pode salvar sua empresa de falhas críticas

A grande polêmica tech desta semana envolve uma das empresas mais queridinhas da galera nos últimos anos: a OpenAI. A história resumida é: a empresa anunciou recentemente que o Chat GPT – a IA generativa criada pela empresa e que ajudou a popularizar o uso dessas ferramentas entre o público comum – iria receber uma “voz” para poder responder e conversar com os usuários por uma interface 100% auditiva. A empresa iria disponibilizar algumas vozes diferentes para que os usuários escolham a preferida deles, mas durante a apresentação deu um grande destaque para a Sky, uma voz feminina que se assemelha muito à personagem Samantha, do filme Ela. Dirigido por Spike Jonze, o filme conta a história de uma homem solitária que se apaixona pela IA Samantha. Referência fofa né?

Não para Scarlett Johansson, a atriz que interpretou a personagem no filme. Ela não apenas ficou horrorizada com a semelhança, como tornou as coisas ainda piores para a OpenAI ao provar que aquilo dificilmente foi uma coincidência “infeliz”, já que ela tinha sido contatada pela empresa meses atrás justamente por uma liberação de uso da voz dela para a IA da companhia. Na época, ScarJo rejeitou a proposta e deu o assunto por encerrado, e foi uma surpresa quando ela percebeu que, mesmo com a recusa, a empresa usou do mesmo jeito uma voz praticamente idêntica à dela.

O resultado disso a gente já sabe: a atriz ameaçou processar a OpenAI, que negou todas as acusações mas retirou a Sky das opções de vozes do Chat GPT. Mesmo que consiga provar que não teve nenhuma maldade na decisão e tudo não passou de um mal-entendido, o estrago na imagem já estava feito: a empresa que foi criada com o intuito de mudar o mundo deixou muita gente com a impressão de que a única coisa que importa para ela são seus próprios produtos, e que não pensa duas vezes em usar tudo aquilo que acredita tornar seu produto mais atrativo mesmo que não tenha permissão pra isso (ironicamente, ela acabou levando para um palco maior e com mais holofotes o mesmo debate sobre propriedade intelectual e roubo que os artistas visuais e escritores travam nos fóruns, sobre o modo como suas obras são utilizadas para treinar essas IA generativas sem pedir qualquer permissão ou oferecer qualquer remuneração a eles pelo uso).

Ironias de lado, a posição que a OpenAI está tomando é preocupante – especialmente se considerarmos que, no último mês, alguns executivos importantes saíram da empresa após discordância com as novas prioridades da liderança. Uma das maiores críticas veio de Jan Leike, que até a semana passada liderava o time responsável pelo treinamento das IA da empresa, e que pediu demissão alegando que a liderança atual deixava de lado as questões de segurança no desenvolvimento dessas aplicações e só se preocupava em querer ter um novo produto pra apresentar ao mercado.

Com tudo isso acontecendo quase que ao mesmo tempo, a OpenAI se encontra hoje num turbilhão que é o pior pesadelo de muitos gestores: como evitar que a minha ânsia por ser a primeira a apresentar um produto incrível para o mercado faça esse entusiasmo todo se voltar contra a imagem da minha empresa? A resposta para isso é complexa, mas passa por ter uma estratégia de comunicação bem definida.

Atenha-se ao seu propósito

No caso da OpenAI, o que mais causou danos à imagem da empresa foi ter sido “pega na mentira”; antes que ela tentasse criar uma historinha de que nunca teve a intenção de usar a voz da ScarJo e que tudo não passou de coincidência, a atriz já chegou com todos os recibos, provando que havia sim o interesse de usar a voz dela na nova tecnologia, tanto que a OpenAI não só tinha entrado em contato como até havia enviado uma proposta financeira para ela ceder os direitos de voz. E Catarina Cicarelli, fundadora e CEO da Beet (uma agência especializada no uso da comunicação e das relações públicas para alavancar o crescimento de uma empresa), alerta que este é um erro que nenhuma empresa mais pode cometer se não quiser passar vergonha: “Mentir não é aceitável hoje em dia, porque não vai colar, vai vazar muito rápido que aquilo não é verdade. Então é melhor você ser sincero, seja transparente.”

Mas além da mentira, um erro mais fundacional – e que pode causar ainda mais danos para a OpenAI no futuro – tem a ver com as acusações feitas por Leike ao deixar a empresa: a de que ela estaria se esquecendo do propósito para o qual foi criada. Para Flavia Sobral, CEO e presidente da aboutCOM (uma agência de comunicação especializada em traduzir a linguagem tech para pessoas comuns), este é um erro comum em qualquer mercado: “O propósito ele é lindo se ele tá no site, se ele tá na rede social, mas ele precisa ser consistente em todas as ações da empresa.” E, se a OpenAI foi criada com um propósito de promover eticamente o desenvolvimento de melhores inteligências artificiais, o discurso não está nada alinhado com a prática – pelo menos no caso específico da polêmica entre Chat GPT e ScarJo.

O mais interessante de tudo? Nenhuma das críticas acima – nem a da Flavia, nem a da Catarina – falavam exatamente da polêmica com a OpenAI. Ambos os comentários foram feitos durante a participação delas no episódio 10 do Innovation Hub Show, que foi gravado bem antes de tudo isso vir à tona. Mas, durante todo o episódio, elas falam muito de erros comuns na estratégia de comunicação das empresas, e de como essa estratégia precisa levar em conta conceitos como transparência, ética e empatia – algo que claramente faltou no caso da OpenAI. 

Isso não quer dizer que este caso é uma prova de que a empresa não possua uma comunicação estratégica baseada nesses conceitos, mas apenas que, se essa estratégia existe, ela não foi assimilada por todos – por exemplo, faltou para quem toma as decisões sobre o desenvolvimento de novas funcionalidades da IA unir o discurso de transparência ética com o que seria uma ação ética, que é abandonar a ideia de ter a sua IA com a voz parecida a de uma das IAs mais famosas do cinema no momento que a atriz dona da voz se recusou a participar do processo. E garantir que os discursos serão traduzidos para ações exige algo que ainda é uma raridade no mundo corporativo em geral: uma real unificação de todos os setores  em torno de uma mesma mensagem.

Muito mais do que marketing

Quando falamos de comunicação, é normal muitas pessoas já pensarem diretamente no marketing, na mensagem que vai te ajudar a vender o seu produto. Mas, como bem lembra Flavia Sobral no episódio 10 do Innovation Hub Show, a comunicação da sua empresa é muito mais do que o seu marketing: “A comunicação nas empresas ela está acima disso: relações públicas, redes sociais, inbound, tudo isso é ferramenta de comunicação, ela não é a comunicação em si.”

Essa noção é ainda melhor exemplificada por Catarina Cicarelli: “O papel da comunicação vai muito além do que a área de vendas. Porque a comunicação é reputação também, é construção de longo prazo. Então você tem que ter uma interface, uma conexão muito grande com os maiores interesses da empresa, e essa troca tem que ser constante. Porque você não vai fazer uma grande movimentação, uma grande mudança de negócios, e não falar isso pra comunicação. Então é óbvio que a gente deve muito ajudar a galera do marketing, mas eu acho que tem um papel muito fundacional também.”

E para Guga Peccicacco, gerente de comunicação e RP da Infor na América Latina, o primeiro passo que qualquer empresa precisa dar tanto para criar uma boa estratégia de comunicação quanto para melhorar a  área de marketing é o mesmo:  “O primeiro passo do planejamento é entender o contexto do cliente. Sem isso, a gente não anda pra frente. Fazendo isso, aí a gente vai pro próximo passo, de entender como a gente pode ajudar essa pessoa.” Ele teme que as empresas estejam tão focadas em resultados (não que isso não seja importante, mas também não pode ser a única coisa que importa) que estamos esquecendo que o trabalho como líderes de comunicação é inspirar as pessoas a fazer as coisas de modo diferente.

E quando falamos de inspirar pessoas a fazer qualquer coisa – seja a mudar um hábito, pensar de uma forma diferente, comprar um produto ou contratar um serviço – não adianta ficar gritando até a pessoa se convencer a concordar com aquilo que você está dizendo; é preciso haver diálogo. Para Catarina Cicarelli, toda empresa precisa ter uma coisa em mente: “Diálogos não são uma coisa que acontece em uma via só. Eu sempre brinco com meus clientes que tem marcas que são iguais aquelas pessoas que ficam pregando a Bíblia na saída do metrô: ficam gritando pra todos os cantos e ninguém tá ouvindo elas. Se você não está se comunicando com quem precisa, você está jogando fora tempo e dinheiro.”

E um terceiro ponto que os gestores deveriam se preocupar na hora de definir suas estratégias de comunicação: não esquecer de ser empáticos. E, para Flavia Sobral, é preciso que as empresas exercitem uma empatia de verdade para com os seus clientes: “Empatia na comunicação não é só entender com quem você está falando, colocar num funil, usar a ferramenta certa. É você ter empatia mesmo. A gente tem alguns casos na agência de um cliente chegar falando ‘ah, meu cliente tá reclamando disso’, eu pergunto se aquilo realmente está errado e eles falam que está. Então o cliente pode reclamar! Aí a gente volta na questão da empatia e da transparência. Como é que a gente melhora esse processo pra ele não reclamar mais? De onde veio o problema? Quem está tentando resolver?”

Três pilares para evitar um vexame

Como percebemos, toda a polêmica da OpenAI poderia não existir se a empresa seguisse os três pilares de uma boa estratégia de comunicação:

  • Transparência: toda a repercussão negativa poderia ter sido evitada se a empresa fosse transparente desde o começo. Como? Revelando que tinha planos para que uma das vozes do Chat GPT fosse a da atriz Scarlett Johansson, por causa do quanto os desenvolvedores amavam o filme Ela, que a atriz recusou o convite, mas que como essa ligação com o filme era muito importante para todo o lançamento do produto eles contrataram a atriz X, que tem uma voz com tonalidade parecida da ScarJo. E então apresentar a atriz no palco e pedir que ela fale no microfone, para as pessoas perceberem que realmente não foi uma tentativa de uso da IA para imitar a voz da atriz mais famosa, mas a contratação de alguém com menos fama que tem uma voz parecida. Ninguém se sente ofendido por um cover desde que você deixe claro que se trate de um cover, sem passar a impressão de que aquela é a versão original.
  • Propósito: mesmo que não fossem transparentes, a imprensa e o público com certeza dariam o benefício da dúvida para a OpenAI se esse caso da Sky com a voz da ScarJo não acontecesse coisa de dias depois de um executivo ter pedido demissão, criticando os rumos da liderança da empresa no processo. Ter um propósito bem definido não apenas no discurso, mas nas ações, poderia ter evitado uma boa parte das críticas negativas que sofreram assim que a polêmica veio à tona.
  • Empatia: podemos dizer também que faltou à OpenAI conhecer com quem ela estava lidando. Afinal, a ScarJo processou a Disney por quebra de contrato ao lançar o filme Viúva Negra direto nas plataformas de streaming. A Disney, a mesma empresa pra quem ela trabalhou desde 2010, interpretando a personagem Viúva Negra em 9 filmes, que pagou milhões diretamente pra conta bancária dela e que ajudou a elevar a imagem da atriz para um outro patamar de reconhecimento público. Se ela não teve medo de bater de frente com a empresa que, de certa forma, é diretamente responsável por boa parte da fortuna e fama dela, por qual motivo ela iria ficar “quieta” quando se sente traída por uma empresa que nunca deu nada pra ela (e, aparentemente, tentou roubá-la, de certa forma)? E não só isso, mas ter empatia real, aquela coisa de parar pra pensar “nossa, como eu iria me sentir se de repente uma empresa que eu recusei um contrato aparece mostrando pro público algo que se parece muito comigo?”. Sim, tudo pode não passar de uma coincidência infeliz, mas se você não teve a transparência para provar de antemão que as pessoas poderiam encontrar uma similaridade mas que tudo não passava de coincidência, pelo menos deve ter a empatia de entender como você não pode simplesmente fazer essas coisas e esperar que ninguém se chateie com você.

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