Se a IA matar o jornalismo, ele vai reviver em 3 dias

Se a IA matar o jornalismo, ele vai reviver em 3 dias

“A IA vai roubar o seu emprego!”

Este é o tipo de frase que eu já cansei de ouvir nos últimos anos. Desde que a OpenAI tornou o ChatGPT uma ferramenta pública, a ideia de que uma pessoa humana, de carne e osso, pode ganhar dinheiro para escrever textos passou a ser um completo absurdo na cabeça de muita gente. Por que um empresário da comunicação ou do marketing pagaria um profissional se a IA já consegue escrever qualquer tipo de texto que ele precisa?

Há tempos o jornalismo – e o papel dos jornalistas – tem sido colocado em xeque por pessoas que têm interesse em diminuir a importância desses profissionais. E a revolução das IAs tem sido proclamada por muita gente como “a pá de cal” da profissão. Mas será mesmo que estamos vendo o fim do jornalismo?

Momento chave para a profissão

Apesar de muito gente acreditar – e até torcer – que a revolução das IA será o fim do jornalismo, não é isso que acredita Tati Americano, COO da agência Ideal. No episódio 5 do podcast Innovation Hub Show, ela foi bem enfática sobre a importância dos jornalistas neste novo mundo pós-IA: “Neste momento, com inteligência artificial, de tirar um pouco a força do jornalismo, nunca o jornalismo foi tão importante. Porque ele é hoje essa referência confiável em um mundo com tanta informação.”

E estas devem ser as palavras-chave na atuação do jornalista hoje: confiança; referência; compromisso com a verdade. E ela ainda aponta que é justamente um dos possíveis usos da IA que torna a presença de um jornalista real tão importante: as tais das fake news. As notícias “inventadas” (falsas) já eram um problema na internet antes de ser possível criar artigos e sites inteiros apenas digitando algumas frases de prompt, ou da existência de ferramentas que permitem que qualquer pessoa possa imitar vozes de pessoas famosas e fazê-las dizer qualquer coisa, ou então criar vídeos de situações totalmente inexistentes com pessoas reais. Há uma preocupação muito grande sobre como essas soluções de IA podem afetar eventos reais (por exemplo, uma eleição), mas não podemos esquecer que elas possuem o potencial de não apenas manipular o resultado de eventos, mas manipular toda a forma como enxergamos o mundo real. E este desafio das fake news geradas por IA é algo que deve ser visto com atenção por todos: jornalistas, empresas e consumidores.

Uma questão de ética

Além da preocupação com as fake news, há outro assunto que não pode ser deixado de lado quando falamos do uso jornalístico das IAs: a transparência. Esse é um dos principais pontos levantados por Joyce Macedo, jornalista de tecnologia e apresentadora no Loop Infinito, durante o episódio 5 do Innovation Hub Show. Joyce acredita que é uma questão ética deixar claro para o leitor quando um conteúdo foi criado por inteligência artificial, justamente para evitar algumas confusões que já aconteceram na mídia.

Talvez o caso mais famoso desse tipo de problema ético tenha acontecido há um ano, em abril de 2023, quando a revista alemã Die Aktuelle publicou uma suposta entrevista com o heptacampeão de Fórmula 1 Michael Schumacher, que desde 2013 é mantido recluso pela família (e beeeem longe dos holofotes da imprensa) após um grave acidente de esqui. A revista colocou na capa uma foto de Schumacher e frases que indicavam se tratar de uma exclusiva, a primeira entrevista com o piloto desde o acidente – e o único lugar que avisava para o leitor que se tratava de uma entrevista feita por IA era no fim da matéria. O problema ali não foi exatamente que um repórter pediu pra uma IA fingir ser o ex-piloto e responder as perguntas como se fosse o próprio Schumacher, mas o da publicação ter divulgado esta matéria como se fosse uma entrevista real – e o resultado disso foi a demissão da editora que aprovou a publicação da forma como foi feita, além de tomar um processinho da família do ex-piloto. E tudo isso seria evitado se a publicação simplesmente fosse mais transparente sobre o uso da IA.

Capa da revista alemã que vendia uma “entrevista exclusiva” com o ex-piloto Michael Schumacher

O fator humano na geração automática

Mas isso não quer dizer necessariamente que as IAs são inimigas do jornalismo – muito pelo contrário. Assim como a chegada dos computadores não diminuiu a importância dos jornalistas que usavam máquina de escrever, a IA também pode ser uma ferramenta que chega para somar. 

E a COO da Ideal acredita neste tipo de abordagem: “Eu acho que ela [a IA] vem pra ajudar o jornalismo, mas não substitui o papel do jornalista. Por exemplo, você vai dar notícia da cotação da Bolsa, provavelmente aí você até pode usar a IA pra escrever um artigo, automatizar e tal. Mas tem coisas que vão precisar desse olhar humano”, disse Tati Americano no Innovation Hub Show.

E é justamente esse lado analítico, de conectar diferentes assuntos e explicá-los de uma forma que fique claro para o público, que deverá ser o grande diferencial dos jornalistas, influenciadores e criadores de conteúdo em geral na era pós-IA. E no mesmo episódio do podcast, a Joyce apontou como essa mudança já está ocorrendo: ao pesquisar por algum assunto no Google, o topo da página – aquele espaço que mostra as respostas melhor ranqueadas e que geram mais cliques – não é mais ocupado apenas pelos grandes portais da internet. Cada vez mais os resultados de busca mostram TikTokers, perfis do Instagram e contas de influenciadores que o algoritmo entende ser de especialistas naquele assunto que está sendo procurado. 

IA como catalisador do jornalismo

Essa ideia de que a IA veio para ajudar os jornalistas, e não para acabar com eles, é um ideal compartilhado aqui no IHS. Nós mesmos já usamos diversas IAs aqui na operação, como a Opus Clip para cortar e legendar automaticamente os clipes dos podcasts que são divulgados em nossas redes sociais, ou mesmo a Leonardo.AI para criar as imagens de capa das matérias aqui do site. 

(Enquanto isso, as matérias são escritas por uma pessoa real e que existe, e eu posso provar pra você: por exemplo, este parágrafo que você está lendo agora nunca seria escrito por uma IA; o motivo: não sei se você percebeu, mas tudo o que eu escrevi até agora é uma única, longa e complexa frase – algo que uma IA nunca faria quando você pedir para ela escrever um artigo para site ou blog, pois quebra todas as regras de “boas normas de legibilidade” de SEO (no caso, usar frases longas que ignoram a existência de um ponto final, ao invés de sentenças curtas e bem separadas), mesmo que você, uma pessoa humana, consiga ler com facilidade tudo o que está escrito aqui, não se perder na temática e entender o ponto que eu estou defendendo.)

Mas, ainda que acreditemos no uso da IA como uma ferramenta para auxílio do trabalho do jornalista, nosso host Igor Lopes aponta que um dos desafios para isso pode estar entre os próprios jornalistas – principalmente aqueles que estão há mais tempo exercendo a profissão: “Eu tenho pra mim que IA deveria ser uma tecnologia inclusiva. Porque quanto mais velho você é, mais repertório você tem, mais você sabe fazer perguntas. E aí a gente vê um monte de jornalista mais antigo que não experimenta [a IA], que fica ali parado no tempo e que não evolui [com a tecnologia].” 

Mas como quebrar essa “barreira” que muitos profissionais se auto-impõem quanto ao uso da IA – seja por medo de perder o emprego, ou mesmo a recusa de aprender algo novo? A host Gigi Casimiro, que atua como produtora de espaços no metaverso, trouxe uma comparação bem interessante:  “Uma coisa que eu penso muito e que é válido a gente revisitar, é que ali no final do século XIX, início do século XX, a gente viu o nascimento da fotografia, que tirou muitos artistas ‘tradicionais’ do seu lugar de representação da realidade. E eu acho que a gente revive um pouco desse processo de ‘automação do processo criativo’ com a IA, e a gente vai ter que entender como isso vai se encaixar.”

Claro, nunca dá pra cravar exatamente como as coisas vão acontecer no futuro. Mas o jornalismo já passou por uma enorme mudança nas formas de fazer, pensar e publicar conteúdos com a chegada das redes sociais – e ele não morreu por isso. Então, é bem possível que a revolução das IA seja apenas um novo processo de mudança na profissão, e não uma morte rápida e dolorosa como muitos têm interesse em vender. Mas o que eu posso saber disso né? Afinal, eu sou apenas um jornalista humano, real, de carne e osso (eu prometo que é verdade!).

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