SXSW – Medo e Catástrofe em Austin: entenda o Superciclo Tecnológico e porque não acreditar nos “Messias Tech”

SXSW – Medo e Catástrofe em Austin: entenda o Superciclo Tecnológico e porque não acreditar nos “Messias Tech”

Nesta semana de SXSW, estou em Austin de olho em tudo o que o evento traz de melhor este ano. Aqui no blog, vou resumir algumas das discussões mais interessantes que estão rolando!

Todos os anos, a palestra de Amy Webb sobre as tendências da tecnologia é uma das mais esperadas na SXSW, e este ano não foi diferente: a CEO do Future Today era tão aguardada que algumas pessoas chegaram horas antes do auditório abrir apenas para garantir um lugar.

Como sempre acontece, Amy trouxe em sua apresentação alguns cenários muito animadores sobre o poder das novas tecnologias, e também algumas possíveis catástrofes sociais que elas poderão criar – especialmente se continuarmos dando para os “Messias Tech” tudo aquilo que eles querem. A palestra completa está disponível no Youtube, mas se você você preferir nós iremos resumir aqui tudo aquilo que você precisa saber para não ficar de fora das conversas.

Entramos em um Superciclo

Para Amy, uma das coisas que precisamos ter em mente é que nós estamos entrando em um Superciclo da Tecnologia. Ela explica que “Superciclo” é um termo da economia usado para descrever um período de expansão, onde a demanda crescente de algo durante um período prolongado eleva os preços de produtos e ativos – e muda para sempre toda a organização do mundo. Esses superciclos aconteceram em momentos como a criação do motor à vapor (que culminou na I Revolução Industrial) ou no advento da internet, e neste exato momento o mundo estaria passando por mais um.

A grande diferença para os demais é que, historicamente, esses superciclos são gerados pela existência de uma única tecnologia revolucionária e, em 2024, nós estamos lidando com 3: o advento das IA, um ecossistema de dispositivos conectados (que Amy chama de “conectáveis”) e os avanços na biotecnologia. Cada um deles poderia, por si só, ser o motivo gerador de um superciclo – e todos estão acontecendo ao mesmo tempo.

Por isso, Amy aponta que devemos parar de pensar em divisões como “millennials”, “gen X”, “gen Z” e “boomers” – todos esses grupos fazem parte daquilo que ela chama de “gen T”, onde o T pode significar “Tecnologia” ou “Transição”. Ela afirma que estamos numa fase transicional da tecnologia onde ainda não conseguimos imaginar o quão profundas serão as mudanças que ela irá fazer em todos os aspectos da nossa vida: não só a forma como utilizamos computadores mas literalmente tudo o que fazemos, desde nossas interações mais íntimas.

E, em um mundo de mudanças tão rápidas, ela percebe que aquelas pessoas que deveriam ser nossos líderes estão sofrendo de FUD (sigla em inglês para “Medo, Incerteza e Dúvida”). Os tomadores de decisão estão paralisados ao se depararem com as infinitas possibilidades dessas novas tecnologias, e muitas das decisões têm sido tomadas mais por FOMO (sigla em inglês que significa o “medo de ficar de fora” de algum evento ou tendência) do que por enxergarem como a IA pode realmente levar suas empresas para outro patamar.

O futuro das IA

Ao falar mais propriamente das IA, Amy afirma categoricamente que a IA será o motor de tudo o que iremos mudar no mundo nos próximos anos. E, por isso, precisamos debater mais sobre alguns pontos que até hoje são um tanto ignorados:

Ética x escalabilidade: hoje, a escalabilidade e velocidade das operações de IA são o que move os investimentos na área – afinal, é aumentando essas duas áreas que as empresas conseguirão lucrar. Mas, a partir do momento que aceitamos que a IA será a base de tudo daqui pra frente, é preciso também começar a se preocupar com um desenvolvimento ético da tecnologia, ou então acabaremos criando sistemas enviesados e que não nos darão os resultados precisos que nos prometem. Também no sentido da ética, Amy afirma que será preciso criar formas de “diplomar” as futuras IA: se não deixamos qualquer pessoa hoje atuar como médico, e exigimos que ela comprove que estudou uma certa quantidade de horas e fez outras tantas de residência antes de permitirmos que ela abra uma clínica e comece a atender pacientes, quais os mecanismos que iremos utilizar para não chegarmos em um cenário onde as IA podem atuar com tudo, mesmo que não sejam realmente treinadas para certas situações?

Responsabilidade das plataformas: até o momento, as ferramentas de IA tem se defendido usando a mesma desculpa das redes sociais: nós somos apenas uma plataforma e não somos responsáveis por aquilo que nossos usuários fazem. Mas será mesmo que deveria ser assim? Amy cita o exemplo recente de uma IA desenvolvida para comprar e vender ações que foi pega fazendo “insider trading” (quando você compra ou vende ações baseado em informações que ainda não são públicas) e que, quando perguntada se havia feito isso mesmo, mentiu na resposta. O problema é que, se um humano faz isso, ele é preso; quando é uma IA, vamos simplesmente ignorar, chamar de bug e deixar por isso mesmo?

Modelos abertos e conceito para ação: outras mudanças que deveremos ver dentro dos próximos 2 anos é um surgimento cada vez maior de IA de código aberto (ao invés de atuarem em ambientes fechados, elas poderão receber dados de treinamento de qualquer pessoa) e do surgimento de modelos generativos de “conceito para ação”, onde ao invés de digitar um prompt específico do que você precisa você pode chegar com uma ideia vaga e ir conversando com a IA para ambos refinarem essa ideia e chegar a um resultado final satisfatório.

O futuro dos ecossistemas conectados

Também chamados por Amy de “conectáveis”, eles são todos os equipamentos “smart” e coisas do tipo que nos cercam cada vez mais em todos os ambientes. Ela acredita que eles serão imprescindíveis na próxima fase de treinamento das IA, pois depois que toda a informação virtualizada (basicamente tudo que existe na internet) for consumida, as IA generativas precisarão de mais dados para continuarem seus treinamentos – e seremos nós que iremos fornecer esses dados.

Por isso, os atuais modelos de aprendizado baseados em linguagem serão aos poucos substituídos por modelos baseados em ações, coletando dados sensoriais (cheiro, visão, sensações, sabor, etc) de todas as nossas experiências diárias. E, com base nessas informações, ao invés de apenas nos indicar o que dizer (como faz o Chat-GPT hoje), essas IA poderão nos dizer também como agir diante de determinadas situações.

Ela afirma que, depois da corrida das IA, a próxima “corrida” da indústria deverá ser pelo controle dos nossos olhos. Isso porque nossas pupilas revelam informações de forma involuntária e que nem percebemos – por exemplo, elas se dilatam quando vemos algo que achamos muito legal. Essa dilatação acontece antes mesmo de nossos receptores cerebrais enviarem esta informação para o restante de nossos sistemas, ou seja, ao monitorar nossos olhos (com um computador visual como o Vision Pro da Apple), uma empresa pode saber o que estamos pensando antes da gente mesmo. E, para Amy, é esta corrida pela “supremacia dos sentidos” que irá definir a próxima fase do capitalismo.

E como as empresas farão isso? Basicamente, lançando um monte de “lixo” no mercado: na busca por ser o “próximo iPhone”, as empresas irão saturar o mercado com milhões de lançamentos que coletarão dados de forma um tanto absurda e que não darão uma contrapartida exatamente útil para os usuários. Mas é esse tanto de “lixo” que ajudará a normalizar o fato de termos todos os aspectos da nossa vida monitorados e transformados em dados para alimentar supercomputadores.

O futuro da Biotecnologia

Apesar de não gerar muitas manchetes, Amy aponta para o fato de que, em 2023, a Biotecnologia teve um ano ainda MAIOR do que o das IA, e que já estamos dando os primeiros passos para superar os sistemas baseados em silício.

Pode parecer papo de ficção científica, mas Amy afirma que já é possível enxergar um futuro onde sistemas de IA irão trabalhar em conjunto com sistemas de IO (Inteligência Orgânica) – basicamente computadores controlador por uma matriz orgânica ao invés de um chip feito de silício. Ela aponta que alguns cientistas já conseguiram, a partir de células-tronco, criar um “computador” orgânico feito de neurônios e ensinar essa máquina a jogar o clássico Pong!

Mas enquanto os computadores orgânicos ainda estão um tanto no futuro, o que já temos hoje são sistemas de “Biologia Generativa”: uma espécie de “Chat GPT biológico” desenvolvido para atuar em linguagem orgânica (DNA, RNA e proteínas). Esta tecnologia permite a criação de novos medicamentos ou novas substâncias através de prompt, e já existem centenas desses novos materiais criados por prompt que já estão sendo testados nos laboratórios.

Cenários de catástrofe

Ao longo de toda a palestra, Amy foi apontando não apenas as maravilhas que essas inovações poderão fazer pelo mundo, mas também as mudanças catastróficas que podem causar. Ela relembra aquela famosa frase de que “a tecnologia em si não é má, tudo depende da forma como as pessoas a utilizam”, e aponta para a maior falha desta máxima: ela deixa de fora as pessoas que desenvolvem e investem nesta tecnologia.

E é neste momento que ela aponta para os “Messias Tech” – os Musks, Bezos e Nadellas da vida – que a todo momento aparecem a público com discursos de que irão “salvar o mundo” com a tecnologia. E este discurso altruísta esconde algo muito mais perigoso: o fato de que todas as tecnologias que irão mudar o mundo estão na mão de meia dúzia de pessoas, que possuem poder para influenciar toda a nossa forma de pensar, de agir e até mesmo o cenário político em que vivemos. E eles possuem esse poder porque não apenas controlam a tecnologia, mas também a forma como nos comunicamos uns com os outros. Para Amy, devemos nos preocupar quando eles falam que irão nos salvar do próximo Superciclo, porque a ideia de “salvação” deles parece sempre pender para um tipo de autoritarismo tecnológico do livre-mercado.

E é para evitar este tipo de cenário que Amy considera importante que não apenas as empresas entendam como esse novo Superciclo irá afetar a rede de valores delas e se preparar para as mudanças que virão, mas também que os governos criem “Departamentos de Transição”, que irão ajudar as pessoas que hoje estão em profissões que serão substituídas por IA a se transferir para outras que sempre precisarão de um humano.

A mensagem final de Amy é, assim como o resto da palestra, positiva mas com ressalvas: essas novas tecnologias podem sim nos ajudar a ter um futuro mais próspero e confortável, e deixar o planeta numa condição melhor do que o encontramos – mas será necessário lutar para isso, ou poderemos acabar numa distopia digna dos mais pessimistas autores de ficção científica.

E se você quiser saber mais sobre o que a Amy Webb pensa sobre o futuro, ela será uma das entrevistadas no episódio de estreia do podcast do Innovation Hub Show! Então não esqueça de se inscrever para não perder o episódio, que chega no dia 21 de março.

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