Como a tecnologia pode ajudar a evitar novas tragédias iguais à do RS

Como a tecnologia pode ajudar a evitar novas tragédias iguais à do RS

A tragédia que afetou o Rio Grande do Sul neste mês é um dos maiores desastres naturais que o país já viu, e ajuda a tornar mais claro todos os alertas que os cientistas têm feito durante anos sobre aquecimento global. (E, se você ainda não ajudou o pessoal que está lá lutando pela vida e que perdeu tudo o que tinha, ainda dá tempo de ajudar porque eles continuam precisando de muita coisa).

Infelizmente, o que acontece na região não é uma exceção e nem algo raro, mas apenas a realidade que iremos viver nos próximos anos. De acordo com o relatório Atlas of Mortality and Economic Losses from Weather, Climate and Water Extremes, publicado pela WMO (World Meteorological Organization), as enchentes causadas por chuvas extremas já equivalem a 59% de todos os desastres naturais da América do Sul, e 9 das 10 maiores catástrofes registradas na região durante a última década tiveram as chuvas fortes como causadoras. Além disso, o relatório ainda aponta que os desastres naturais, causados ou não pelas alterações climáticas, se tornaram cinco vezes mais fortes e mais frequentes durante os últimos 50 anos.

A situação da crise climática já ultrapassou um ponto em que não há mais como evitar esses desastres, e o que poderemos fazer daqui pra frente é nos preparar para viver em um mundo onde os eventos climáticos extremos serão algo comum. E é justamente nesta questão da sobrevivência neste novo mundo que a tecnologia se tornará algo essencial.

Mais do que só confiar na tecnologia

No episódio 9 do podcast Innovation Hub Show nós recebemos Marcelo Gripa, jornalista especializado em tecnologia e cofundador da Futuros Possíveis, uma plataforma que tem como principal objetivo produzir conteúdos que ajudem o público a entender sobre o que esperar do futuro. E, claro, a questão do Rio Grande do Sul e das catástrofes climáticas que nos aguardam foi um dos temas conversados.

Para Marcelo, a tecnologia pode ajudar muito a evitar que ocorram mais tragédias da gravidade do que aconteceu no sul, mas há problemas estruturais e que não passam somente por, por exemplo, usar a inteligência artificial para criar modelos meteorológicos mais assertivos e conseguir avisar as populações das áreas que mais serão afetadas pelas chuvas com antecedência. “Tem uma questão central aí que é onde as pessoas vivem.”, aponta Gripa. “No Brasil a gente não tem moradia de qualidade pra todo mundo, e aí a gente vê pessoas vivendo em realidades muito distintas. Você tem gente que mora em área de risco – e aí não tem o que fazer, cai a chuva e essa pessoa já está totalmente vulnerável – e você tem pessoas que já estão começando a rever o que podem fazer dentro de casa pra tornar ela mais segura. Por exemplo, eu estava conversando outro dia com uma pessoa que tem uma área externa na casa dela mas que a tubulação já não tava dando vazão pra quantidade de água que tava caindo, e já quase inundou a casa dela.”

Além disso, ele também alerta que as chuvas não são o único problema que continuaremos a enfrentar nos próximos anos. Não é que o aquecimento global torna as chuvas piores, mas todos os eventos climáticos ficarão mais intensos: as chuvas serão mais fortes, o frio e calor serão mais extremos, as secas serão mais prolongadas. E, assim como as chuvas, existirão problemas estruturais que dificilmente a tecnologia conseguirá resolver. Por exemplo: como fazer com que todas as pessoas tenham condições de comprar um aquecedor de ambientes ou um ar-condicionado?

E quando entramos neste ponto, não podemos esquecer de algo que foi bastante discutido no episódio 7 do podcast, quando falamos da China: inovação não é apenas utilizar novas tecnologias, mas resolver problemas de forma criativa. Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em direito digital e que também participou do episódio, comenta então sobre um documentário que apresentava um problema de calor excessivo em algumas regiões da África, onde o interior das casas muitas vezes atingia temperaturas acima de 50ºC. A solução paliativa ali não era algo que dependeu do uso de tecnologia de ponta, mas apenas pintar o telhado de todas as casas com tinta branca – o que fez com que uma maior parte do raios solares fossem refletidas e as casas então passassem a reter menos o calor do ambiente.

Assim, mais do que pensar “qual tecnologia devo usar para atenuar os efeitos da crise climática”, D’Urso acredita que devemos pensar primeiro em “para quem que eu devo usar a tecnologia para atenuar os efeitos da crise climática”. E esta é uma noção que Marcelo Gripa concorda totalmente: afinal, são as pessoas mais necessitadas aquelas que serão atingidas primeiro – e de maneira mais forte – pelos efeitos do aquecimento global.

Aquecimento global como oportunidade de negócios

É nesta onda da necessidade de se desenvolver tecnologias para tentar atenuar e conter os efeitos da crise climática que surgiu um novo tipo de indústria: as chamadas D-Techs, sigla para Disaster Technologies. Além de salvar milhões de vidas nos próximos anos, essas tecnologias também podem ter impactos positivos no mercado: de acordo com o Banco Mundial, apenas em 2018 os desastres naturais causaram US$165 bilhões em prejuízos – e a expectativa é de que esse número chegue a U$1 trilhão caso nada seja feito nos próximos anos.

E falando em salvar vidas, já existem dados que comprovam como essas D-Techs são eficientes: durante a década de 1970, 50 mil pessoas de todo o mundo perderam suas vidas por causa de eventos naturais. Já na década de 2010, com o aprimoramento de tecnologias de vigilância, monitoramento e resgate, o número de mortos por eventos naturais no mundo caiu para 20 mil. E, ainda que esses eventos se tornem cada vez mais violentos e extremos, a tendência é de que poderemos usar o aprimoramento cada vez maior das tecnologias para garantir que menos pessoas a cada ano percam suas vidas em desastres naturais.

Uma dessas tecnologias que poderá ser muito importante aqui no Brasil nos próximos anos é o Flood Forecasting, um modelo de prevenção de inundações desenvolvido por uma parceria entre o Google e o governo indiano. Este sistema utiliza tecnologias de inteligência artificial e aprendizado de máquina para fazer a análise dos dados de satélites meteorológicos para prever não apenas as áreas afetadas pela cheia de um rio, mas até mesmo calcular o fluxo da água e a velocidade da elevação. Isto permite a emissão de alertas certeiros com bastante antecedência para as autoridades locais, permitindo a tomada de medidas rápidas para prevenir mortes e diminuir os danos causados por essas cheias. Esse sistema já está totalmente disponível para o público, e pode ser acessado gratuitamente pelo Flood Hub.

Outro uso interessante da IA para auxiliar em desastres naturais é o Noble Intelligence, um algoritmo de inteligência artificial da McKinsey & Company que faz a integração de imagens de satélites, dados geoespaciais e outras informações sobre uma determinada área para avaliar a gravidade de situações e os riscos para as equipes de resgate em curtíssimo prazo. As análises dessa IA já são utilizadas por governos em diversas áreas do globo para reduzir epidemias de doenças que podem ser prevenidas por campanhas de vacinação, ajudar os sobreviventes de tráfico humano a recuperar suas vidas, e a aumentar a velocidade de reconstrução em áreas da África que foram devastadas por ciclones. 

Nômades climáticos

Mas como já foi falado, nem tudo pode ser solucionado com o uso das novas tecnologias. E outro desses problemas foi apontado pela Gigi Casimiro, que é especialista na produção de ambientes dentro do metaverso: “”É preciso pensar também no impacto da imigração, porque a gente tem dados que mostram o aumento da imigração de pessoas fugindo dessas mudanças climáticas em áreas específicas. E a gente precisa entender que não é só resolver com a tecnologia o lugar onde você tem aquela crise, mas também que as pessoas vão deixar aquele lugar e vão pra outros tentar reconstruir suas vidas. E isso é um problema social que vai aumentar cada vez mais, e eu não sei se a gente tem uma solução pra isso.”

De acordo com um relatório recente da ONU, as mudanças climáticas foram as responsáveis por fazer com que 26,4 milhões de pessoas fossem forçadas a migrar para outras cidades dentro de seus próprios países – número que corresponde a 56% de todos os deslocamentos internos forçados que aconteceram no ano. E isto não é um fenômeno que atinge apenas os países mais pobres: 185 mil pessoas se tornaram migrantes internos forçados no Canadá devido a uma temporada de incêndios sem precedentes.

Apesar dos desafios, Marcelo Gripa tem um certo otimismo sobre o futuro: “Eu acho que a tecnologia meteorológica vai evoluir, e vai ser muito bem vinda essa evolução.” Ao mesmo tempo, ele alerta que não podemos também achar que tudo vai se resolver num passe de mágica, e que o nosso cenário atual é que tragédias como as do Rio Grande do Sul sejam cada vez mais frequentes – e cada vez piores. Resta a nós – e aqui falo de “nós” como iniciativa privada e como poder público – decidir se os avanços da tecnologia serão usados para proteger todas as pessoas dessas novas tragédias, ou usá-las para aumentar ainda mais a desigualdade e garantir que as pessoas que já não seriam tão atingidas ficarão ainda mais protegidas.

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