Inovação e sinergia: como a China criou a Escola de Gestão do futuro

Inovação e sinergia: como a China criou a Escola de Gestão do futuro

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se firmaram como a principal potência econômica e política do mundo. Mas, nos últimos 20 anos, a China aparece como um concorrente fortíssimo para desbancar os americanos do trono econômico. Considerada como a “Fábrica do Mundo”, a China não apenas é responsável por uma boa parte dos produtos manufaturados e de alta tecnologia produzidos no mundo todo, mas também é um parceiro importantíssimo nas obras de infraestrutura que ocorrem na África e no Oriente Médio.

Mas, assim como todas as grandes fábricas do mundo, a China percebeu que o futuro não está apenas em fabricar produtos de forma mais rápida e barata: é preciso também investir em pesquisa e desenvolvimento. E, nos últimos 10 anos, a China tem mostrado na área de inovação a mesma força que permitiu o rápido desenvolvimento de seu parque industrial, e hoje já é o país com mais patentes no mundo – sendo o único que ultrapassou os EUA neste quesito desde o ano 2000. 

Medidor de inovação

Para In Hsieh, co-fundador da Chinnovation (uma aceleradora de negócios digitais que promove a relação entre Brasil e China), a busca da China por um grande número de patentes é explicada pela forma como a cultura de negócios do país funciona. No episódio 7 do podcast Innovation Hub Show, ele revela que muito da cultura chinesa é baseada em resultados e performance, e há uma busca por dados tangíveis que possam ajudar a definir se o país está atingindo ou não os seus objetivos.

E, quando falamos da ideia de fomentar inovação, o número de patentes registradas é um dado tangível e que pode ser usado para definir se os objetivos de inovação do país estão sendo atingidos. 

Claro, número de patentes como medida de inovação não é algo preciso como, por exemplo, medir a altura de alguém contando quantos centímetros ela tem. Afinal, “número de patentes” não é uma unidade de medida oficial, mas apenas um número tangível que pode ser usado para indicar uma tendência. Mas, quando falamos de conceitos intangíveis como “inovação”, olhar o número de patentes talvez seja a forma mais fácil de entender se os investimentos estão dando resultado, e se há realmente uma tendência de buscar inovação entre as empresas e startups do país.

Inovação que gera mudanças

É preciso deixar uma coisa clara: quando falamos de “inovação”, não necessariamente estamos falando de IA, computadores quânticos, implantação de chips no cérebro humano ou qualquer outro produto baseado em alta tecnologia. Como bem lembra Hsieh durante o podcast, falar em “inovação” não significa apenas usar as tecnologias mais recentes, mas também há muito de estratégia, de mudanças de processo: “Às vezes inovar é fazer uma coisa simples, sem tecnologia nenhuma, mas que resolve um problema que muita gente tem.”

Mas o que seria inovar sem tecnologia? No mesmo episódio do podcast, nosso host Igor Lopes lembrou de um “cacho de banana” que ele viu no supermercado em uma de suas viagens para a China: ao invés de um cacho natural como achamos nos mercados daqui, o “cacho” chinês era uma espécie de “varal” com 5 bananas penduradas lado a lado, cada uma em um nível de maturidade diferente. Assim, se você comesse uma banana por dia, você estaria consumindo a fruta sempre no ponto perfeito de maturação. Ou seja, é algo inovador e que resolveu um problema apenas mudando um processo (a forma como o supermercado vende a banana para seus clientes) sem aplicar alta tecnologia.

Claro, isso também não quer dizer que não há muita tecnologia de ponta sendo produzida na China – e existe um setor cuja expansão já está causando mudanças na qualidade de vida das cidades.

O boom dos carros elétricos chineses

Quando Elon Musk criou a Tesla, muita gente apostou em como os carros elétricos poderiam mudar a qualidade de vida das cidades. Mas, ao visar um público de luxo, a empresa americana acabou não trazendo a mudança que muitos achavam possível quando ela surgiu. Mas enquanto por aqui os carros elétricos ainda patinam para conseguir mercado, na China eles já estão mudando para melhor a vida das pessoas.

Hsieh conta mais sobre isso no Innovation Hub Show: durante sua participação no podcast, ele comentou que, por causa da pandemia, ficou quase três anos sem ir para a China – ele conseguiu voltar ao país apenas no fim do ano passado – e se surpreendeu com o quanto tudo tinha mudado nesse pequeno período. E uma das mudanças que ele notou de imediato foi o barulho – ou falta dele – nas cidades. Aquela cacofonia de sons das ruas – algo que qualquer pessoa que vive em São Paulo está acostumada – diminuiu muito na China. E o principal fator para isso é a popularização cada vez maior dos carros elétricos.

De acordo com Hsieh, praticamente todos os transportes coletivos do país foram trocados por veículos elétricos, e em algumas cidades mais de 20% de toda a frota das ruas – ou seja, transportes coletivos e os carros, motos e outros veículos privados – são elétricos. E essa mudança já causa um impacto direto não só no futuro, mas no presente do país, diminuindo o nível de poluição sonora (e do ar) nas grandes cidades.

O segredo da China

A velocidade com que os carros elétricos se popularizaram na China nos últimos 3 anos não é fruto da sorte, mas de planejamento e visão. E, para Hsieh, é esta abordagem que mais difere a China de quase todos os outros países do mundo. Ele aponta que faz parte da cultura de produção do país desenvolver produtos e soluções que atendem não apenas uma pequena parcela da população, mas que possa ser aproveitada pelos 1,4 bilhão de pessoas que vivem no país e que têm níveis de renda muito diferentes.

Hsieh lembra que, na China: “A maior parte das empresas não quer vender só nas grandes cidades, elas querem vender no país todo, então tem que ser acessível.” E é essa preocupação com a acessibilidade que permite que uma nova tecnologia rapidamente se espalhe e mude os comportamentos de consumo do país, como estamos vendo hoje com os carros elétricos.

O especialista também lembra que essa acessibilidade só existe por conta de uma grande competitividade. Ele aponta que, hoje, existem mais de 30 marcas competindo entre si apenas no setor de carros elétricos, todas elas altamente capitalizadas. E é essa competição acirrada entre muitas marcas que faz com que nem todas estejam focadas em desenvolver o carro mais luxuoso e que se dirige sozinho (como é o desenvolvimento de carros elétricos em muitas das empresas ocidentais que investem no setor), mas também permite que surjam empresas que se dedicam em criar as versões mais baratas desses carros, para satisfazer apenas quem quer um desses veículos para ir do ponto A para o ponto B, e não necessariamente esfregar na cara do vizinho o quanto é descolado.

Outra diferença é que, por ser um país muito populoso, a visão que as empresas têm de mercado consumidor é bem diferente do que vemos aqui no ocidente. Por aqui, muitas empresas precisam pensar em como atender o país inteiro – às vezes até o continente inteiro – desde que é criada. Enquanto isso, a China possui empresas milionárias e que chegam a atender apenas uma única província do país.

Isto é possível porque, devido à densidade populacional, é fácil uma única província (que seria algo equivalente aos nossos estados) ter populações que beiram – ou ultrapassam – os 100 milhões de habitantes. Por exemplo, Guangdong, que é a maior província chinesa, possui 126,5 milhões de habitantes. Isso quer dizer que apenas 1 província chinesa conta com quase 60% de toda a população brasileira. Ou, olhando por outro prisma: para um negócio, significaria ter acesso a todo o público consumidor nos estados de SP, MG, RJ, BA, PR, RS e PE (os 7 estados mais populosos do país) sem precisar se preocupar com toda a logística de envio e fiscal existente na venda de produtos para outros estados.

Então, quando essas empresas resolvem se expandir para atender novos mercados, elas não são mais startups iniciantes, mas empresas com uma forte infraestrutura logística e fiscal, um produto fortalecido e uma base de clientes fiel. E é esta cultura também que explica porque, quando um produto chinês chega num mercado ocidental, uma primeira onda de dúvida é logo substituída por uma rápida aceitação, já que muitas vezes esses produtos são mais baratos e oferecem qualidade equiparável – ou até superior – aos seus concorrentes ocidentais.

Uma nova escola de gestão

Para Hsieh, há um outro nome que podemos dar para essa mistura de cultura e forma de enxergar um negócio que é particular dos chineses: a Escola de Gestão Chinesa. E, mais do que um produto, esta talvez seja a maior inovação que o país pode começar a exportar para o mundo.

“A China está mostrando muitas coisas pro mundo, e algumas delas não são tecnologias nem inovações: são processos, modelos mentais. É uma nova escola de gestão. Então você tem a escola de gestão americana, japonesa, alemã, suíça, e agora tem uma escola de gestão chinesa que é baseada na tecnologia.”

Para Hsieh, a tecnologia é justamente o principal ponto de diferença que a Escola de Gestão Chinesa pode oferecer para o mundo: ele lembra que todas as outras Escolas existentes remontam da década de 1980 para trás – ou seja, são de um mundo onde os computadores estavam começando a se tornar algo comum, a internet ainda estava engatinhando e o uso de inteligências artificiais era algo exclusivo dos filmes de ficção científica. Já a Escola de Gestão Chinesa considera todas essas tecnologias como ferramentas que um gestor deve usar para alavancar o crescimento.

Outro ponto apontado por Hsieh como um diferencial da gestão chinesa é a preocupação com a sinergia entre produtos – algo que está de acordo com todas as estratégias de marketing mais recentes. Desenvolver produtos de diversos segmentos não é uma novidade da indústria chinesa – isso é algo relativamente comum nas empresas asiáticas, desde japonesas como a Mitsubishi quanto as coreanas como a Samsung – mas a novidade que elas trazem ao mercado é essa preocupação com uma sinergia entre tudo o que se desenvolve.

Por exemplo, quando a Mitsubishi fabricava canetas e carros, era como um empresa que investia em áreas diferentes – tanto que toda a estratégia de marketing, distribuição e produção de cada produto era diferente. E Hsieh explica como isto é diferente com as empresas chinesas: “Quando uma Xiaomi fabrica um carro, ele está conectado e você consegue acessá-lo via celular, e aquele carro pode ser vendido na mesma loja que vende o celular. Eles têm mais de mil produtos no catálogo, e tudo pode ser controlado pelo celular e comprado pela internet.”

“Inovação” e “sinergia” são palavras que se tornam cada vez mais comuns no planejamento de qualquer empresa, e na China elas são o combustível que alimenta uma transformação do país em “fábrica do mundo” para “exemplo de como fazer a transição para o futuro”. E é bem possível que vejamos a Escola de Gestão Chinesa ser aplicada cada vez por mais empresas no ocidente.E quando – não “se”, quando – isso acontecer, talvez seja a hora de finalmente coroar a China como o país mais importante para a economia mundial. Neste contexto, a “fábrica do mundo” ganha um novo significado – não apenas o lugar onde se fabrica uma grande parte dos produtos mundiais, mas o lugar que está fabricando o próprio mundo do futuro.

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