A nova cultura corporativa é estar aberto a mudanças

A nova cultura corporativa é estar aberto a mudanças

“Todo lugar tem uma cultura.”

Esta frase da Jackie De Botton (cofundadora e diretora criativa da The School of Life Brazil), dita no episódio 8 do podcast Innovation Hub Show, apresenta uma verdade que muitas vezes escolhemos ignorar: cultura não é um monólito, mas algo que se molda a cada ambiente. Nossa casa tem uma cultura própria, que é diferente da cultura de quando encontramos os amigos para um happy hour, e que é diferente de quando juntamos a família toda para um churrasco.

E o mesmo efeito acontece quando falamos de cultura corporativa: nem sempre a “cultura” vendida nas entrevistas e palestras motivacionais é aquela que vamos encontrar no dia-a-dia da empresa. E isso tem sido um problema cada vez maior na hora de contratar (e reter) talentos.

Mais uma coisa que os Millennials “destruíram”

Para Luiz Augusto D’Urso, advogado especialista em direito digital, essa preocupação com a cultura é algo geracional: “Os mais jovens, eles abrem mão da renda muito alta por qualidade de vida. Eles preferem ganhar menos e estar num lugar que o chefe não é maluco, do que ganhar mais e estar num lugar que vai me adoecer.”

Essa impressão de D’Urso é confirmada pela pesquisa Millennial & Gen Z Survey 2023, feita pela Deloitte. Ela aponta que a busca de um equilíbrio entre vida pessoal e profissional é um dos objetivos mais buscados por essas gerações – e os colegas que conseguem esse equilíbrio são muito admirados por eles. Esse tipo de pensamento é explicado pelas porcentagens de profissionais dessas gerações que possuem problemas de saúde mental relacionados ao trabalho: 46% dos jovens da Gen Z e 39% dos Millennials afirmaram que sofrem de ansiedade e estresse no trabalho a maior parte do tempo.

Esses números ajudam a explicar algo que a The School of Life também tem encontrado nas pesquisas que fazem com as empresas parceiras. De acordo com De Botton: “A gente tem feito uma pesquisa de saúde mental, de inteligência emocional, em 800 empresas nos últimos 3 anos, e uma das primeiras perguntas que as pessoas fazem quando vão para entrevistas não é mais ‘qual o meu salário?’ e sim ‘como é o ambiente dessa empresa? O trabalho é híbrido, é remoto? Eu posso ter autenticidade ali na minha posição?'”

Já para Vitor Cavalcanti, Sócio e Head de Estratégia da The School of Life Brazil, muita da explicação desse problema está na liderança: ele aponta que, aqui no Brasil, 80% dos líderes possui um perfil de “comando e controle” – em bom português, são aqueles líderes autoritários, que acham que a palavra deles é lei e espera somente que os liderados abaixem a cabeça e aceitem tudo o que pedem sem qualquer tipo de discussão ou abertura para sugestões. 

E é justamente o quanto esse perfil é comum na liderança das empresas que ajuda a explicar porque a pesquisa da Deloitte apontou que uma das maiores preocupações das gerações mais novas no mercado de trabalho é com o assédio que sofrem em suas funções – tanto moral quanto sexual. De acordo com dados do Ministério Público do Trabalho, só no 1º semestre de 2023 foram registradas 8458 denúncias de assédio no ambiente corporativo, o que é quase a mesma quantidade que havia sido registrada em todo o ano de 2022. Entre estas denúncias, 831 eram de assédio sexual – quase três vezes a quantidade registrada em todo o ano de 2022.

É interessante notar que esses números aumentaram demais justamente em um momento em que muitas empresas estavam abandonando o trabalho remoto (uma necessidade criada pela pandemia) e retornando para regimes presenciais – ou “híbridos” onde a maior parte das horas trabalhadas é no escritório. E talvez este assédio seja um motivo “escondido” na preferência dos profissionais das gerações mais jovens pelo trabalho remoto – afinal, quando você não está no mesmo ambiente dos seus assediadores em potencial, a chance de sofrer assédio diminui muito.

Mudança = Trabalho

Essa cultura corporativa “tradicional”, principalmente entre as lideranças, não é impossível de ser mudada, mas efetuar essa mudança será algo desafiador. E, para Cavalcanti, uma boa parte desse desafio é justamente fazer esses líderes de perfil “comando e controle” entender que a mudança é algo possível: “A maior parte das lideranças que a gente tem, principalmente no Brasil, acredita na cultura como um monólito, algo que não é alterado. E não existe isso.”

E este é um paradoxo que ele e os profissionais da The School of Life encontram em diversas empresas: muita gente fala que quer “mudar a cultura” da empresa, mas não aceitam se livrar de alguns “dogmas” que acreditam ser definidores do ambiente corporativo. O head de estratégia aponta algo muito básico – mas que passa batido por muitas das lideranças que os procuram: a ideia de que só é possível efetuar uma mudança em algo quando você aceita que aquilo pode ser mudado. Assim, é impossível mudar qualquer cultura quando há uma resistência em se livrar de conceitos como “sempre foi assim”, “na minha época isso não importava” e “mas é uma tradição nossa”.

Também é muito importante entender que efetuar essas mudanças são um processo demorado, e não algo que vai acontecer de um dia pro outro. E, para Cavalcanti, este é outro ponto que as lideranças atuais teimam em não aceitar: “Não adianta colocar todo mundo numa sala, fazer uma palestra e achar que dali pra frente vai tudo melhorar. Não tratou da liderança, não tratou do assunto, fez uma palestra de 1h30 e nunca mais tocou naquilo. Não vai resolver.”

O papel do governo

Mas como promover esse aceitamento pela mudança? Para Vitor Cavalcanti, a instituição do Certificado de Empresa Promotora da Saúde Mental – que foi criado pela Lei 14.831/24 – promoverá uma onda transformadora nas empresas do país. Para conseguir este certificado, as empresas precisarão promover alguns itens fundamentais de saúde mental como implementação de ações de bem-estar psicológico, oferecer suporte profissional para questões de saúde mental, e a realização de treinamentos e campanhas de conscientização sobre saúde mental para todos os funcionários. A concessão será feita por uma comissão nomeada pelo governo federal e o certificado vale por dois anos, quando então a empresa precisará passar por uma nova inspeção para conseguir a renovação.

Apesar de não oferecer nenhuma vantagem financeira direta (as empresas que possuírem o certificado não terão vantagens fiscais sobre aquelas que não possuem), a expectativa é de que gere muitas vantagens indiretas, que vão desde uma maior facilidade para obtenção e retenção de talentos (já que a saúde mental é uma grande preocupação das gerações mais jovens) até redução dos custos de operação e aumento da produção (já que investir em programas de saúde mental tem resultados comprovados na diminuição do absenteísmo e na satisfação dos funcionários, o que causa um aumento direto na produtividade).

Mas, há interesse?

Como já vimos, nenhuma mudança pode ocorrer sem que exista a vontade de mudar. E aí entramos na questão: as empresas estão realmente interessadas em mudar suas culturas? Para Cavalcanti, apesar da dificuldade em fazer as lideranças entenderem a necessidade de mudanças, a abertura para isso ao menos já existe. E ele comprova isso afirmando que mais de 200 empresas já contrataram a The School of Life para ajudar a promover esta mudança da cultura corporativa. Apesar de ser um número quase insignificante em comparação a quantidade de empresas que existem ao todo no Brasil, ele serve para mostrar que há uma tendência de buscar mudanças.

E estas mudanças no ambiente corporativo não são apenas naquelas empresas que parecem não ter saído da idade média, mas até mesmo nas que já têm alguma preocupação com os funcionários. Cavalcanti contou no podcast sobre uma multinacional que procurou a The School of Life para resolver um “problema”: um quinto dos funcionários remotos dela não interagiam nas reuniões e espaços de colaboração online, e o presidente desta empresa precisava de uma solução que trouxesse essas pessoas para o convívio diário, pois tinha uma preocupação genuína de se essas pessoas só eram muito tímidas ou se elas não estavam se sentindo bem ali dentro.

E é esta preocupação genuína com os funcionários que deverá marcar as empresas de sucesso no futuro. Para Jackie De Botton, “as empresas vão ser lugares que vão ter que proporcionar, de alguma forma, um ambiente bom, estável, saudável, pros seus colaboradores.” E, quando pensamos em um futuro pós-IA, onde o número de funcionários será reduzido mas a responsabilidade deles na tomada de decisões será maior do que nunca, mudar essa cultura do “eu mando, você obedece! E sem mimimi.” se torna algo cada vez mais urgente para quem quer garantir seu espaço no futuro. 

Porque não podemos esquecer que, mesmo após a revolução das IA, serão os talentos humanos que continuarão fazendo a diferença na sua empresa – e os melhores não vão querer trabalhar em um lugar que os adoece mentalmente.

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