Por que desacelerar no trabalho é se preparar para o futuro

Por que desacelerar no trabalho é se preparar para o futuro

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A necessidade de estar 24h por dia conectados – e sempre próximos a uma tela que a todo momento tenta chamar nossa atenção – tem causado inúmeras mudanças na forma como vivemos, nos comunicamos e enxergamos o trabalho. E é claro que essas mudanças também estão sendo sentidas não somente em nossas vidas individuais, mas também nas vivências coletivas – inclusive nos ambientes corporativos.

Tudo para agora

Algo que se tornou mais claro nos últimos anos é como as pessoas perderam a noção de que muitas coisas levam tempo, e parece que todo mundo quer que tudo aconteça no mesmo instante. E segundo Jackie De Botton, cofundadora e Diretora Criativa da The School of Life Brazil que participou do episódio 8 do Innovation Hub Show, a culpa dessa percepção meio conturbada de tempo é das tecnologias que nos deixam sempre conectados: “A tecnologia trouxe esse imediatismo. Então a gente fala hoje de algo que demora 3 meses, as pessoas acham que é muito tempo, mas isso não é nada.”

E este imediatismo tem causado alguns problemas na forma como as empresas têm abordado suas necessidades. Para Vitor Cavalcanti, Sócio e Head de Estratégia da The School of Life Brazil, há uma contradição bem clara entre o que as empresas buscam em um funcionário e aquilo que elas exigem dele em serviço: “o que as empresas mais buscam hoje é ‘pensamento estratégico’. Mas como você vai ter pensamento estratégico com a instantaneidade de tudo?”

Ele aponta que mesmo a tecnologia (como o uso das IA generativas) sendo capaz de acelerar alguns processos, existem partes do desenvolvimento de uma estratégia que não tem o que fazer senão dar a ela tempo. Seja para maturar informações ou efetuar testes de se algo pensado dará certo ou não, nem tudo pode ser simulado, aplicado e obter resultados imediatos. Mas tempo é justamente aquilo que muitas empresas não estão prontas para dar a seus funcionários.

Para De Botton, a situação em que estamos hoje é como o movimento de um pêndulo: “O que eu sinto é que o contraponto desse pêndulo que tá muito no agora, no imediatismo, é que as pessoas não pensam. As pessoas não param pra pensar um minuto.” E, assim como um pêndulo, sempre que chegamos em um extremo, existirão forças que o puxarão para o lado contrário.

Uma vida mais devagar

E uma dessas forças é o movimento slow work. Este movimento prega uma desaceleração nas rotinas de trabalho, que funcionaria da seguinte forma: uma acumulação menor de tarefas, com mais tempo dedicado a cada uma delas. O objetivo seria proporcionar, ao mesmo tempo, melhores resultados e performance e um maior equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.

Um dos maiores defensores desta filosofia é Cal Newport, professor de ciência da computação na Universidade de Georgetown (EUA)  e autor do livro Slow Productivity: The Lost Art of Accomplishment Without Burnout. Neste livro, ele defende que nosso atual modelo de o que é ser produtivo (baseado na quantidade de horas que se trabalha) está totalmente equivocado e é o principal responsável por adoecer os trabalhadores. Ele acredita que a verdadeira produtividade não está em trabalhar muitas horas, mas em poucas horas de muita dedicação e concentração – e que este método, além de adoecer menos as pessoas, ainda traria resultados melhores para as empresas.

Este movimento, junto com os estudos sobre a semana de 4 dias de trabalho, indicam uma tendência de que a força invisível que está puxando o pêndulo do mercado de trabalho para uma posição contrária ao extremo da “minha vida é o trabalho” que chegamos são justamente os trabalhadores, que cada vez mais percebem que essa ideia de que apenas o trabalho traz sentido à suas vidas é uma falácia. E, apesar de muitas lideranças ainda se mostrarem resistentes a mudanças, é difícil brigar com os resultados: os primeiros testes da semana de 4 dias no Brasil mostrou que é possível manter a mesma produtividade ao mesmo tempo que se diminui em mais de 60% os níveis de estresse e desgaste dos seus funcionários.

Em sua participação no Innovation Hub Show, De Botton lembra de algo importante: não cuidar da saúde mental dos funcionários pode ter um preço alto para a sua empresa. “Estamos no capitalismo, e enquanto estivermos no capitalismo o lucro é o mais importante. Mas quando você começa a ter índices de burnout como os do Brasil, você começa a ter um custo muito alto. Tem um custo muito alto você não fazer as perguntas que devem ser feitas, você ir colocando tudo pra baixo do tapete”. 

E esta é a real dimensão do problema que a ideia de que “alto desempenho = muitas horas trabalhadas” está causando no trabalhador brasileiro: de acordo com a Associação Nacional de Medicina do Trabalho, 30% dos trabalhadores do país sofrem da Síndrome de Burnout. E, segundo um estudo da International Stress Management Association, o país é o segundo do mundo em casos diagnosticados como Burnout, sendo superado apenas pelo Japão.

Ventos da mudança

Assim como o pêndulo se move entre dois pontos extremos mas tende sempre ao equilíbrio, assim também é a questão do trabalho – nós apenas estamos vivendo um momento de mudança de posição deste pêndulo. E Vitor Cavalcanti se baseia em uma fala da futurista Amy Webb no SXSW deste ano para explicar o porquê disto: “a gente tá num momento de calibrar o que vai ser essa vida. A gente é uma sociedade de transição. Tá vindo aí um grande momento de tecnologia, com inteligência artificial, biotecnologia, coisas conectadas, e a gente tá no meio desse turbilhão.”

E, em um momento histórico em que trabalhadores e empresas são obrigados a se adaptar e mudar constantemente com a chegada das IA, talvez seja também a hora de mudar a nossa relação com o que é “trabalhar bem”. Até porque todos os índices de burnout e insatisfação já deixaram claros que manter a ideia de que o esperado de todos é “trabalhar muito” e tornar a vida profissional a única coisa que importa é algo insustentável.

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